Uruguai e Rússia disputavam na última rodada a liderança do Grupo A desta Copa do Mundo. Melhor em todos os aspectos, a celeste já se via à frente do placar. Os donos da casa insistiam da forma que podiam.
Num lance pela direita, um atacante russo ganha no corpo de Nandez, defensor uruguaio. O jogador celeste, caído, vê que o adversário poderá invadir a área e lança mão do único recurso que tinha. Mesmo no chão, se atira com a cabeça na bola, tentando jogá-la à linha de fundo, mesmo com o pé russo próximo e perigando chutá-lo. A segurança defensiva da equipe era maior do que o instinto de autopreservação.
Há boa dose de loucura em atos desmedidos de raça. A primeira conquista da Libertadores da América pelo Grêmio mostrava um ensanguentado De Leon erguendo a taça. Esta ficou sendo a imagem guardada eternamente na torcida. Este viés ensanguentado em campo foi revivido por Mascherano, na classificação suada da Argentina contra a Nigéria.
Os uruguaios, no entanto, sempre se destacaram. Talvez por serem um país pequeno, que precisam do berro acuado do menor para se sobressair. Ou talvez esteja encrustado na alma celeste, numa cultura irrevogável de sangue e suor.
Contra a França, o zagueiro Giménez, diante da inevitabilidade da eliminação, aos 43 minutos do segundo tempo, chora na barreira armada por Muslera. O mundo assiste seu pranto sentido, doído. Lágrimas pela certeza de não haver como escapar. Estaria o Uruguai fora.
Ao contrário de outros choros que vimos quatro anos antes, há uma diferença fundamental. O choro de Giménez era livre, puro, solto. Era o de um de querer demais, da decepção de ver um desejo tão forte se desfazer. No Brasil, entendemos tanto o choro como fraqueza que efetivamente somente choramos quando fraquejamos. Assim, os outros choros, aqueles de 2014, conforme impressões coletivas, ou eram por considerar aquele palco grande demais, ou eram de vergonha e culpa.
A raça de jogar-se de cabeça numa bola pela linha de fundo, ou de evitar um gol com a mão no último minuto, ou chorar pela derrota, demonstra, principalmente, o ideal de que o grupo é maior, de que o país importa mais. De que o coletivo se sobrepõe ao individual. E aos olhos de compatriotas e simpatizantes, cria empatia instantânea.
O torcedor sofre, sente demais. Ver em campo o espelho de si, de que ali está gente como nós, entregue de corpo e alma, faz com que durmamos tranquilos com a consciência de que valeu a pena. De que não fomos enganados por milionários intocáveis que reverberam indiferenças.
Enquanto isso, em terra brasilis contemplamos o silêncio de atletas. Pipocam declarações fabricadas por assessorias em redes sociais. Ou então entrevistas bajuladoras de assessores sem importância. Se escondem recusando a responsabilidade que trabalham para ter. São, afinal, intocáveis, superiores. Não há espelho, por fim. Não há satisfação. Há, tão somente, indiferença. E num desserviço perigoso à perpetuação do futebol como paixão, dão razão aos “acordados”, aos infames detratores da alegria alheia, que passaram o tempo todo a dizer que ‘não perdem tempo com essas coisas’. É assim tão complexo entenderem que quer-se, apenas, um mínimo afago, uma mão esticada, um gesto a dizer que nas veias corre o mesmo sangue que borbulha e ferve pela derrota?
Há dignidade na satisfação dada, na voz ao microfone, na fala embargada. “Viemos, vimos e vencemos o tanto que era possível.” Temos, ainda, muito o que aprender com os uruguaios. E por hoje preferiria estar na pele deles, onde honra é premissa básica de uma nação.
* Gabriel Galo é escritor
Crônica publica no site do Correio da Bahia em 08 de julho de 2018. Link AQUI!