Arnaldo chegou ao estádio com seu amigo, o Alfredo. Era a primeira vez que Alfredo ia a um jogo ao vivo depois de muitos anos ausente. Sequer se interessava pelo esporte. A Copa de 2026, no entanto, fez com que ele quisesse voltar a acompanhar o ludopédio. Olhava espantado para as instalações novas da moderna arena, o estádio gourmetizado, cheirando a coisa de agora, que acabou de sair do plástico. “Vai começar!”, falou Arnaldo, puxando Alfredo pelo braço. Tomaram assento nas confortáveis cadeiras com visão total do gramado.
– Ué? Cadê o trio de arbitragem? – perguntou Alfredo. Apenas um senhor vestido de amarelo entrava em campo com a bola do jogo.
– Ih, Alfredo, bandeirinha não existe mais. Instalaram sensores nas pontas do gramado que indicam quando a bola sair.
– E se tiver dúvida de quem tocou por último?
– Mas nem tem mais como ter dúvida. Fica um grupo numa salinha vendo tudo. A cada lance, apita no relógio do árbitro de quem é a bola.
– Ah…
– Pois é, modernidade.
– E impedimento, como faz?
– Ué, a mesma coisa. O tal do árbitro de vídeo já manda o aviso pro juiz na hora.
– E se ele apitar antes?
– Mas aí o árbitro pode até ser suspenso! A regra nova é deixar o jogo correr, só pode apitar quando o árbitro de vídeo mandar.
– Ah…
– Pois é, modernidade.
– E quando é falta?
– Aí depende. Se for falta besta, assim, o juiz pode até marcar, mas não pode comprometer.
– E o que aconteceu com os bandeirinhas?
– Perderam o emprego. No começo o sindicato bateu em cima, mas não teve jeito. Tem pouco bandeirinha no mundo, coisa de negociação aí, barganha, essas coisas.
– Coitados…
– Ih, rapaz, mas melhorou muito. Tem mais erro quase nenhum. Pior foram essas mesas redondas, sabe? O povo que ficava três horas brigando “foi pênalti!”, “não foi!”, e tal, foi tudo mandado embora.
– Mas esses não fazem falta…
– Não.
– E, pênalti, expulsão, essas coisas?
– Rapaz, me escute, preste atenção. Eu já te falei. Só pode apitar quando o árbitro de vídeo mandar!
– E como é isso?
– É assim. Depois da Copa de 2018, aquele monte de pênalti apitado, expulsão e tal, os árbitros de futebol começaram a não apitar mais nada. Sabe como é? Se tinham dúvida, faziam era nada, nem esboçavam reação, ficavam esperando o tal do árbitro de vídeo dizer qual é que era. Daí esse negócio foi ficando cada vez mais sério.
– E pra quê tem um árbitro lá no campo? Porque não tira todo mundo?
– Rapaz, tentaram, mas não deu certo.
– E por quê não deu certo?
– Xi, foi uma choradeira danada. O jogo virava uma briga, povo se pegando de murro, um horror. Entrou até psicólogo na parada. Fizeram uma junta para entender o que estava acontecendo. Daí definiram que precisava de uma figura de autoridade em campo. Só assim jogador de futebol respeita.
– Autoridade? Mas pelo que você está falando, o árbitro não precisa fazer mais é nada!
– Outra melhoria, inclusive. Tem um monte de gente que não quer comprometer, fazer o seu e ir pra casa tranquilo. Então o árbitro de campo nem precisa ser muito bom, sabe? Qualquer um faz um curso aí, rapidinho, acho até que pela internet. Só tem que apitar rápido quando mandarem. Melhor do que antes! Queria ser árbitro aquele bicho meio maluco que tinha problemas de autocontrole, cheio de síndrome de pequeno poder. Agora acabou isso aí. Profissionalizaram a profissão e tudo o mais. Os árbitros de vídeo ganham até ticket refeição e plano de saúde.
– E se o árbitro do campo se revoltar e começar a apitar as coisas do jeito dele?
– Só um fez isso até hoje. Saiu de campo contundido com cinco minutos de jogo. Esse povo da teoria da conspiração falou que o relógio dá uns choques que paralisam o insurgente. Mas eu não acredito nisso não. Depois desse caso, nunca mais.
– Ah…
– Pois é, modernidade.
– Mas isso só pode pro árbitro, né? Ninguém mais inventou essa história de vídeo não, né?
– Aonde! Algumas equipes estão testando o técnico de vídeo.
– Oxe!
– Pois é. Salvou até o Vitória de um rebaixamento aí um ano desses!
– Que tecnologia!
– Pois é, modernidade.
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