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Ah, Itália…

Ah, Itália…

Cantinas são um pedaço da Itália no Brasil.

Na cantina italiana o proprietário era a cara da desolação em plena segunda-feira. O baque de ver a sua seleção fora do Mundial pela primeira vez desde 1958 era demais para o que ele poderia suportar. Em cada Eliminatórias, Copas, Eurocopas e amistosos, seu restaurante era ponto de encontro da colônia, que se vestia de azul e seguia para gritar com as mãos seus clichês e estereótipos.

“Ma, che!” “Mamma mia!”

Negócios, no fim, não devem atuar no amargor de seus proprietários, no que ele abriu seus portões às 18h em ponto, como sói ocorrer todos os dias. Os garçons chegaram com a cabeça baixa. Sabiam da paixão do patrão pela Azzura, e imaginavam o mau humor. Por se tartar de cantina tradicional, os dois músicos chegaram com seu pequeno acordeão e um violão, e compartilhavam a cara da amargura.

Aos poucos, vagarosamente, os clientes chegavam. Ao contrário do clima de todo dia, silêncio imperava no salão. Ninguém se exaltava, remexia os braços, derrubava uma taça de vinho. Havia um medo, mais correto seria dizer vergonha, de sequer olhar nos olhos uns dos outros.

“O que o senhor gostaria de beber?” Perguntou o garçom.

O cliente soluçava, inspirava profundamente para tentar criar a coragem necessária para expulsar as palavras que teimavam em corroer o peito. “Carta de vinhos.” disse ele num fiapo de voz. Apontou para uma linha da lista, o garçom anotou, se retirou.

Olhavam para o além, desolados. No teto da cantina havia camisetas penduradas de equipes da Itália e do Brasil, cachecóis, bandeiras. Nas paredes, fotos antigas, uma camisa autografada que se dizia ter sido usada na semifinal da Copa de 70, no “maior jogo da história das Copas.” Ao fundo, um pequeno altar com a imagem de Dino Zoff.

Havia uma corrente de camaradagem que sobrevoava o salão em ar pesado. Afinal, todos ali sofriam do mesmo mal, da mesma tristeza, do mesmo lamento. O baque era muito maior do que jamais haviam experimentado. Apesar do silêncio, havia amparo. Apesar do vinho que descia amargo, havia companheirismo.

Os músicos descem as escadas do segundo andar. Cantam a dor que corta o peito, na boca o coração saltando para fora, mas quase sem pulso.

“Volare, ô, ô… Cantare, ô, ô, ô…”

Ninguém os acompanhou.

Nisso entra pela porta certo apresentador esportivo outrora famoso. Caricato, deveria estar sofrendo com mais um “ataque de labirintite”, destes pesados, pois estava de língua travada e passos tortos. Cambaleava daqui pra lá, de lá pra cá, apoiando-se no que via. O medicamento alcoólico para curar o mal contaminava o ambiente. Balbuciou:

“Porque perder, do jeito que nós perdemos… Ah, Itália… Garçom, mais remédio que a labirintite hoje está estourando!”

Todos, de uma vez só, caíram em gargalhada, aquela libertadora, que espanta os invasores espíritos da descrença.

“Ancora siamo Itália!” grita um senhorzinho, levantando uma taça de vinho.

“Salute!” vociferam os presentes, virando os copos.

“Maestro: MÚSICA!”

O acordeão ofega marcha mais acelerada, o violão acompanha quase raivoso. Todos se levantam, abraçados – menos o apresentador, que tinha problemas com a verticalidade – envolvendo os músicos, que giram e tocam e cantam e dançam o fato de ainda serem tetracampeões, poderosos e de história magnificente.

“Voooooooooooooooo… LARE! Ô, Ô!”

Quem passava do lado de fora ouvia a algazarra e tinha certeza de que algo grandioso acontecera. “Italiano sabe mesmo fazer festa. Até hoje!”

“Soprattutto oggi, cáspita!”

***

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