Há uns dias, dirigindo de volta num sábado de algum lugar à minha casa, paro no semáforo. Estava um pouco frio, dia nublado. Em minha direção vinha, de carro em carro, uma senhora que aparentava ter mais de 45 anos, entregando desses panfletos que anunciam empreendimentos imobiliários fantásticos e verdadeiras obras de arte em formato de planta com sugestão de decoração, cozinha gourmet e R$ 12 mil reais o metro quadrado.
Sempre penso nestes panfletos como sujeira para o meu carro, afinal, não tenho qualquer interesse em comprar algo no momento, vem com um nome de corretor muito estranho – por que todos eles têm nomes tão incomuns? – e vai acumular por séculos até que um lava-rápido o leve à sua morada eterna. Naquele dia, não. Exercitava o meu lado humano. Pense bem: estas pessoas recebem, assim que chegam, uma pilha de panfletos e somente podem ir embora depois de todos devidamente entregues vidro adentro de desavisados.
Como dizia, estava meio frio. Era sábado, em breve escureceria. “Vou pegar um e ajudar a tia a ir embora”, pensei, para desespero inconsciente do dono do empreendimento e alegria da tia, que poderia pegar sua recompensa e comprar uma esfiha e um suco de laranja e isso seria tudo para o que o dinheiro daria.
Abaixo meu vidro: “Boa tarde!”, saúdo feliz.
No que ela tinha um cigarro em sua mão esquerda, e, tendo acabado de dar uma tragada, responde “Boa tarde”, algo surpresa – não deve ter ouvido muitas saudações, coitada, além de dever estar louca para ir embora – entregando 3 panfletos para mim e, natural e involutariamente, despejando uma grande baforada na minha cara, que seguiu carro adentro.
Alérgico que sou, começo a tossir, abaixo os outros vidros para me livrar do mau cheiro, sinal abre, sigo com os olhos marejados.
E penso que esta é uma bela analogia da vida. Você sorri para ela e ela te devolve uma baforada de cigarro na cara.
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