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Aniversário

Aniversário

Este negócio de inferno astral nunca foi bem a minha praia. Primeiro por não acreditar neste tipo de crendice popular. Segundo por não me deixar ser arrastado a um estado de espiral negativa, nem no mês que antecede o novo ano, nem em qualquer momento.

Certa feita, me perguntaram o que eu queria ganhar de aniversário. A expectativa dos que aguardavam a contesta seguia o fluxo da profundidade de desejos. “Apenas ter vocês por perto já é o suficiente”. E não ganhei o PlayStation. Jogar pra plateia tem hora certa e hora errada. Lição aprendida, vamos apelar para a necessidade de oferecer desta época. É tipo Natal, só que menos. Pragmatismo, minha gente.

Em retrospecto, não consigo lembrar qual foi o presente de que mais gostei, mesmo empilhando ano após ano. Teve um dia dos pais que ganhei uma Smart TV de 55 polegadas, beat that!

Gosto de fazer aniversário, confesso.

Das mensagens que chegam a todo momento. Do carinho que transborda. Daqueles que esquecem, daqueles de quem você nem esperava nada. Dos textos elaborados, dos textos automáticos, dos que se esforçam para serem diferentes. De tudo vale.

Aprendi a apreciar cada gesto, cada pequena interação. Faço questão de responder a cada um, tête-à-tête, sem exceção. Que pessoa seria eu se não retribuísse tanto afeto direcionado? Mato no peito, deixo correr, e chuto para quem mais quiser pegar.

Ah, eu me esbaldo!

Cumprimento todo mundo com uma alegria infantil. Sabia que eu faço aniversário hoje? E tome cá um abraço, um aperto de mão, um sorriso maroto, por vezes envergonhado.

Uma enxurrada de “precisamos marcar, hein?”. Uma enxurrada de “saudades de você”, e eu aqui me questionando o que leva alguém a deixar saudade acumular. Isso faz mal pro fígado, penso.

Fico feliz, genuinamente feliz. De querer me darem um murro na cara de tão feliz. Tem gente que não suporta a felicidade alheia.

Ah, somos tão brega quando chega o nosso cumple años. Tivesse eu uma experiência fora do corpo, me veria o Sidney Magal com mullets no cabelo usando roupas do Cauby e cantando Ritchie. Overdose de brega.

Amamos a todos.

Talvez tudo isso seja a exacerbação de um sentimento guardado, trancado em cofre que se abre em ocasiões especiais. Hora de abrir a caixa de Pandora, perdi o medo de olhar para dentro dela.

Observo as pessoas na rua, o dia é meu, é tudo comigo.

Dirigindo de cá a lá, tive certeza de que um passageiro num ponto me acenava a me felicitar. “Obrigado, amigo!”, já fui baixando o vidro e gesticulando efusivamente. Invejosos dirão que ele apenas chamava à parada o ônibus que vinha logo atrás, mas se você não estava lá ou não possui prova documental em contrário, não atrapalhe a minha história.

Daí os anos passam, ficamos mais sentimentais. Um Skype com meus filhos é meu maior presente. Uma guerra de cócegas com os sobrinhos, o Zé Mané e o Zé Ruela. Um carinho da sobrinha mais linda que eu tenho. Feijoada de primeira com os irmãos, companhia de quem amo, saudade de quem ali não estava, e barco que segue.

Desejos são muitos, mas a gente corre atrás.

Não ganhei o PlayStation de novo, mas certo de que não concordo muito com a matéria, reescrevo o livro-texto. Somos feitos de relacionamentos, de experiências, de emoções.

No fundo, apenas tê-los todos por perto é tudo o que poderia querer.

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