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Ano 1

Ano 1

Exatamente há um ano neste 4 de julho eu comecei com a minha famigerada cruzada de escrever um texto (quase) todo dia. O número 1 da fase 2 foi a crônica “Analogias da vida”, e a ele tantos outros sucederam: contos, crônicas, ensaios, diários, artigos, frases e qualquer outra coisa que me viesse na cabeça. “Como assim fase 2?” Pergunta, esperto e atento, você. Explico. A primeira leva de escrever aconteceu em 2009, durando até 2011, para ficar 5 anos adormecido e inerte. A partir do ano passado, escrever voltou a ser assunto e desejo para mim, e me fez  reviver as linhas de antanho. Eu já não sou mais o mesmo que era, o olhar mudou, a crítica cresce mais ácida e mais segura de como juntar palavras para formar frases e fazer palatáveis ideias que só existem no pensamento. A imaturidade em quase todo texto, e nesta de reler-se sob outra perspectiva fez com que a lixeira virtual fosse enchida até a borda com textos que não mereciam a ressuscitação. Alguns ficaram, nem tudo era sofrível – de médio pra cima já era suficiente – e estes foram inseridos na linha de publicação reiniciada há 365 dias.

E o que eu consegui com isso?

Primeiramente, reforço que não se trata de listar ganhos e vitórias para, por meio de loas, dizer-me o tal. Não, meus caros. Lembro de uma frase de Bill Gates: superestimamos o que podemos fazer em 1 ano e subestimamos o que podemos fazer em 10 anos. O caminho é longo e sinuoso. E leva a lugar a lugar nenhum. Como vi na foto de um amigo recentemente, o caminho é a recompensa. Não se trata de onde chegou, senão o caminho percorrido.

Assim, elenco alguns aprendizados neste 1 ano de revivência da escrita:

  1. Foi minha terapia, meu escape, minha melhor maneira de raciocinar, lidar, extravasar. Ajudou a superar a morte de meu pai. Me ajuda diariamente com a distância dos meus filhos. Ressignifica muita coisa. Sinto-me bem e melhor por ela.
  2. Reestruturou ideias. Muito do que eu pensava, em forma e em conclusão, foi estilhaçado. Procurei constantemente confrontar o que entendia, e desse embate saiu um pensamento 2.0, mas não me engano, sei que este confrontamento é perene e não deve nunca parar, sem limite de versão. A forma de estruturar o pensamento mudou, também. Poder juntar os pontos, encontrar ligações, analisar cenários, livrar-se de conceitos prévios. Me ajuda a debater, embora eu perca a compostura e alguns mais próximos venham me puxar as orelhas. Estes que assim fazem buscando apenas a melhoria do outro valem ouro.
  3. Ler, ler, ler. Nunca li tanto. Nunca li com tanto gosto. Nunca pude entrar numa história de maneira tão completa como agora.
  4. A transpiração traz qualidade. Sabe aquela história de escrever um conto ou um livro, dedicar-se totalmente, ler, reler, e depois fazer de novo, sem nunca publicar nada? Então, não é assim que funciona. Tem que escrever muito e sempre. O tempo todo. O exercício garante a evolução das linhas. é uma questão de probabilidade: quanto mais você escrever, maior a chance de coisas boas serem escritas. Obviamente, sei que nem tudo vai ficar bom, alguns podem ficar bem ruins, mas não importa. Tem que olhar a evolução: em geral, escrevo melhor hoje do que ontem? Entendo que sim e que sempre será assim, a continuar nesse ritmo.
  5. Nem todos os textos fazem sentido. Aqui é um ponto crítico: alguns textos não vão cair nas graças do público, mas eu, como escritor, posso gostar muito. Irrelevante que sou no mundo virtual, já considero meu pouco como público, mas nada que se possa dizer significativo em volume, mas em qualidade de quem lê. Poucos e bons, por quem tenho uma estima enorme. Existe uma lição valiosíssima aqui. Todos os textos fazem sentido para somente UMA pessoa: eu. Depois de um tempo, mente renovada, talvez nem pra mim mesmo faça mais sentido. Todo o resto é incontrolável. Como um determinado texto afeta cada um depende de milhares de fatores: o humor, o tempo disponível, a simpatia com o tema…
  6. Redefinição de amizades. Fiz muitos amigos verdadeiros neste árido e mentiroso mundo virtual. Alguns eram conhecidos que viraram amigos próximos. Outros foram descobertas inteiramente novas. Hoje me vejo cercado de gente melhor, da melhor qualidade. Também porque me afastei de gente nociva. Não tem jeito, tem gente que não faz bem. Não funciona, não dá certo. Entendi que insistir em manter estes relacionamentos minava minhas forças e me fazia despender esforço em algo absolutamente improdutivo. Sou mais leve com este tipo de gente longe de mim.
  7. Compreendi que gosto de gente. A história de cada um é fenomenal. Passei a afastar os vestidores de máscara; gosto gente de alma aberta. Minhas interações ficam cada vez mais saborosas, mais conectadas. Quando viajo, e sou privilegiado por poder viajar muito, o olhar para onde estou é buscando o bicho gente.
  8. Converso mais. Tenho um amigo com quem almoço de quando em vez. Percebemos que o tempo de um almoço não dá mais, tem que ser tarde livre. O papo vai solto, sem amarras nem travas. Manter uma conversa no ar é uma arte, daí termos tão poucos bons entrevistadores, por exemplo. E a danada da telinha do celular contribui sobremaneira para perdermos essa capacidade de improvisação na conversa. Não se aceitam ensaios, é tudo espontâneo. E como gosto de gente, percebi que oferecer atenção total e irrestrita ao outro é virtude.
  9. A gente tem muito tempo. Muito. Mas muito. Depende da maneira como usamos.  Quando alguém diz “ah, não deu, não tive tempo”, essa pessoa teve muito tempo para fazer. Eu vejo isso agora. Rotinas de projetos de 12 horas por dia não me impedem de escrever, de responder mensagens, de falar com os meus filhos, de revisar textos, de publicar coisas, de ler um livro antes de dormir, resolver pendências e por aí vai. Vivemos numa época na qual é bem visto dizer que não tem tempo, e isto é verdadeiramente triste.
  10. Me fez entender o que quero fazer da vida. Mas não sou besta de abandonar minha empresa e meus trabalhos. Não, até porque gosto muito também do que faço “profissionalmente”. Mas quero também ser escritor. Se serei ou se já sou para os outros, pouco importa. Em algum momento poderei dizer “sou”, e pronto. No meu tempo.
  11. Escrever sobre economia e política é frustrante. Muita guerra de “ideologias”, entre aspas mesmo, porque acreditar neste tipo de falácia é idiótico. O termo deveria, inclusive, ser substituído por idiologia. Eu sempre afirmo: em guerra de grito, no final, estão todos roucos. Prefiro minhas crônicas e, principalmente, meus contos, lidos por tão poucos, mas que me fazem um bem danado.
  12. Ah, e tem os artigos no Correio, primeiro veículo de massa que me abriu as portas, livros para serem lançados, projetos em cima de projetos, ideias e muitas frentes de trabalho. Sobre estes, no entanto, retomo em palanque apropriado.

Então, sem querer passar o carro na frente dos bois, ando devagar, porque já tive pressa. Quero muito, mas as coisas não andam na velocidade das minhas expectativas. Almir Sater sabia bem das coisas quando disse que viver a vida é uma questão de compreender a marcha e ir tocando em frente. Ou ainda aquela outra que diz que “viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra dentro.” Vou me afinando por aqui, que é a parte que me cabe nesse latifúndio.

Rememoro aqui uma crônica que publiquei quando eu comecei a escrever, uma espécie de diálogo meu com minha consciência. Sobre como nós nos sabotamos para dar o primeiro passo. “Seja prudente, menino.” E eu renitente, “Não importa. Agora eu vou.”

Fui e continuarei indo. O tempo não para.

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