De fato, o alcance do coronavírus excede a doença em si. Se não conhecemos ainda o desfecho e seus impactos, estamos vivendo seu decorrer com inquietude. Porque por mais que os exercícios em casa ajudem, que as lives de músicos famosos – ou nem tanto – se multipliquem, que a reprise do futebol relembre momentos de glória, que os streamings colaborem entre si e que escritores tenham liberado suas obras a preços simbólicos (quando não gratuitamente), somos feitos de conexões e de contato.
Nesta semana última, dia 7 de abril, faleceu meu avô, José Perez. Voinho viveu 87 anos de uma vida dura, mas à qual nunca se dobrou em amargor, navegando pelas tempestades com sorriso incontrolável. Não, não se foi de covid-19. Despediu-se quando jeito não havia, até ele também não mais ser.
Mas, pois, tempos bicudos. Na quarentena necessária, cerimônia não é permitida. Voo não tem. Resta à sua legião de admiradores lidar com a ausência definitiva à distância. Não estou só: como eu, há muitos, de tantos outros casos e gentes com nome, sobrenome e querência.
De cá, a vídeo-chamada, tão valorosa, mostra-se insuficiente. Diante da dor, palavras, por mais belas que sejam, jamais substituirão um abraço. Poder estar com Mainha, sua cuidadora no ocaso da vida, e oferecer colo, sentimento, presença, calor, não tem preço. Um “vai ficar tudo bem” na frieza na tecnologia nem se compara àquele ao pé do ouvido, em que se compartilham lágrimas, em que o sofrimento não se retrai numa demonstração tola de força, pelo contrário, se escancara em soluços qual tropeções, enfatizando o silêncio que toma o seu tempo até que palavra qualquer seja expelida, se tanto.
É inegável: carecemos de afeto.
Mas, ao mesmo tempo, somos dúbios, contraditórios. Tivéssemos aprendido com os exemplos de Itália, Espanha e EUA, estaríamos, quase 1 mês depois de assinado o isolamento mandatório, retomando à normalidade. Só que, infelizmente, subestimar riscos dentro da proteção do grupo, como se fôssemos inatingíveis individualmente, é parte inerente da nossa evolução. E em vez de estarmos debatendo retomada de economia e um possível exagero de prevenção (não seria justamente este o papel da prevenção, que o perigo pareça um abstrato exagero?), estamos dando voltas no próprio eixo, retroalimentando discursos que esticam a crise a níveis potencialmente insustentáveis.
Enquanto isso, Voinho se vai, isolados, se podemos, devemos ficar e a celeuma se repete. Neste cenário, vamos reinventando conexões, criando novas mídias e ressignificando as vias de afeto, desejosos de que um dia, eliminado o inimigo invisível, possamos, enfim, nos reunir sem pudores ou senões, talvez com um tanto de álcool em gel, oferendo o contato e proximidade como bens maiores.
Decerto, sabemos, tudo vai passar, mesmo que o caminho seja cheio de armadilhas. Levo, então, comigo a lição de meu avô, de jamais ceder à tentação de desistir e procurar o sorriso e o carinho como meios de superar desafios e de construir pontes de conexão humana. Com o resto, a gente se vira.
* Gabriel Galo é escritor e trabalha de casa.
Crônica publicada em 13 de abril na página 2 e no site do Correio da Bahia. Link AQUI!
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Fac-símile da página 2 do Correio de 13 de abril.