As primeiras palavras de Jair Bolsonaro no Jornal Nacional ao adentrar o cenário na noite de ontem abriam o caminho para a forma como ele enxergava a sabatina que estava por começar. Referiu-se ao ambiente comparando-o a uma “plataforma de tiro e artilharia.” O que não estava muito claro era se ele se via como o alvo ou como o atirador. O passar da entrevista mostrou que, para ele, só vale atirar.
Alguns pontos foram muito bem trabalhados pelo candidato e sua equipe. A sua cola no debate na Band foi transformada em mensagem na palma da mão, revertendo a situação de maneira surpreendente. “Deus, Família, Brasil” se lia.
Ao mesmo tempo, no entanto, Bolsonaro foi um poço de suas tradicionais mentiras e desvirtuações. Com uma tática absolutamente comum deste mundo de redes sociais: desqualificar o interlocutor e atribuir correlações esdrúxulas para desviar-se do tema das perguntas.
No sentido metafórico, não se tratou de uma entrevista, mas de uma troca de tiros. Diversas vezes Bolsonaro levantou a voz, mantendo sua celeuma de vencer pelo grito e pelo cansaço. Era rechaçado veementemente pela dupla da bancada, mas que acusou o golpe. (Talvez seja tarefa de psicopatas manter-se incólume diante do retrato da intolerância e do retrocesso.)
Como um grupo de Whatsapp da família, Bolsonaro distribuiu mentiras, analogias infantis, argumentos vazios. A repercussão da entrevista, especialmente nas mídias sociais, corroborou a narrativa com enorme capacidade de solidificar sua posição. Porque ele falou aos seus correligionários, aos seus seguidores, aqueles a quem já captou sua confiança, e se afastou ainda mais daqueles que nele não votariam.
O que vai ficando claro enquanto Bolsonaro fala quando confrontado é que o seu castelo de cartas de justificativas politicamente corretas de votos caem pelo poder da realidade. Diz não ser homofóbico, enquanto age sendo-o. Diz ser o novo na política, mas está na política há 27 anos com mandatos sucessivos. Diz não estar envolvido em corrupção, mas tem o caso Wal, a funcionária fantasma, e o dinheiro da JBS. Apresenta um livro que nunca foi utilizado em sala de aula e externa o receio de que a heterossexualidade esteja sendo combatida. Apoia ditaduras e enaltece a violência escalada como única alternativa para conter a violência existente. Fala sobre o recebimento dos outros como se dinheiro de propaganda do poder público fosse sinal de que um salário da iniciativa privada deva sofrer escrutínio. Repete simbologias de validações de práticas análogas às que faziam os senhores de escravos, quando diz que a nova regulamentação das domésticas “negou café-da-manhã e pernoite” às trabalhadoras. Agride ao perguntar o que acham de os militares terem os mesmo direitos dos trabalhadores comuns, logo eles, que se aposentam com salário integral depois de pouco tempo de serviço, têm estabilidade e até perpetuação de benefícios a filhas não casadas. Amplia o ideal, como nos anos 60, que o perigo da humanidade e o problema de agora é o “comunismo”, a Globo é o “mal” instalado.
Bolsonaro é um espantalho, um bufão que grita, esperneia e nada tem a dizer.
Seus seguidores, fieis e impassíveis, saem em sua defesa. Não importa o que diga, será sempre o mito, a solução. E se contradizem naquilo que até então utilizavam como justificativas plausíveis. Admitem, pois, seus mais variados devaneios. “Corrupção? Mas é pouco comparado com Fulano e Sicrano!” “É burro, mas e Dilma, é o quê? Muito pior!”
Com o tempo, o reboco vai se desfazendo, porque a manutenção de acabamento dá muito trabalho. Sobra a fundação, que é pautada pelo preconceito exacerbado, pelo desejo de vingança e pela vitória da imposição pela força.
Este último item é o que resta de alternativa aos incompetentes. Impor-se pela força é único recurso de quem cresce pela diminuição do outro, de quem não tem, no campo do debate de ideias, evitar ser motivo de chacota. Possui um pé (ou dois) no autoritarismo chulo. Na redenção pela vingança, que seja feita sua vontade, dane-se o resto, “vocês vão ver só, não perdem por esperar, é melhor JAIR se acostumando”.
É o “foda-se”, o “te pego na saída” em forma de voto.
Há um perigo latente no crescimento de Bolsonaro. E mesmo com repetidas tentativas, ainda não se encontrou uma forma eficaz de dialogar com este tipo de postura. Talvez sequer haja uma.