A duas semanas da Copa do Mundo, o Vitória faz uma mini-turnê em SP. No dia 03, Santos na Vila Belmiro. Dia 09, Corinthians em Itaquera. Dia 12, São Paulo no Morumbi. O Correio me convidou para acompanhar estas partidas com a visão do combalido fanático rubro-negro que perambula pelas terras paulistânicas.
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Santos, 3 de junho de 2018
Mesmo com a mente cheia de hematomas pelos infortúnios e desbaratinos provocados pelo desgovernado Vitória, insisti até quando deu. Apertei a mente de minha mulher até quando pude. Ela, prudente e inteligente, percebeu o cheiro de injúria logo, logo. “Bora pra Santos ver o Vitória?” “Se saia.”, replicou, meiga e corretamente.
Sua peremptória decisão foi secundada pela previsão do tempo. Para o domingo, chuva e temperatura que não passaria dos 16 graus na máxima. Além do mais, coisa de que ela não sabia, mas a gente que é besta sim, o onze rubro-negro iria a campo com Lucas, Botelho e Correia. E Mancini no banco. E David na presidência. Soubesse ela o que isto significa, já teria sugerido internação por simplesmente sugerir o programa.
O domingo amanheceu escuro, chuvoso, molhado, frio, pedindo cobertor e chocolate quente. A Seleção fez sua parte no embalo de Neymar e Firmino. #VaiTerCopa! Atrevido, ainda perguntei, esperançoso: “Partiu, Santos?” Meus amigos, coloquem-se no lugar da digníssima e imaginem a cara com que ela me olhou. Fui fuzilado, trucidado, amaldiçoado, xingado com suas castanhas retinas em mais 59 idiomas. Arredondando pra baixo, seria algo como “me erre”. Ficamos em SP, o #PatriuSantos virou #PartiuOsasco, rumo à casa dos sogros, onde o pai dela, santista, já dava os 3 pontos como garantidos.
A TV rodou o diminuto estádio e filmou a meia dúzia de gatos pingados, malucos rubro-negros que se sacudiam dentro de capas de chuva, um frio da zorra. Guerreiros ou loucos? Porque, minha gente, a pessoa parar para assistir a um espetáculo lamentável já é algo próximo a tortura. Pagar para isso, esteja certo, se aproxima de algum desequilíbrio mental severo.
E logo o show de horrores dos de branco – que não era o Santos, vestido de azul com a cruz da bandeira da Inglaterra, mas sim o um dia glorioso time baiano – foi iniciado. Era canelada pra cá, passe errado pra lá, e o Santos em cima. Lucas, Botelho e Correia, o trio desconjuro, desfilando sua costumeira incompetência. Mancini, com o GPS desligado, perdidinho da Silva. E a meia dúzia cheia de “é possível”. Não, não era. Não foi.
Logo, bola na trave. Em seguida, gol anulado. A blitzkrieg santista desnorteava o bando baiano. E Rodrygo, craque de 17 anos da base praiana, porque lá a molecada joga e encanta, meteu foi logo 3 no primeiro tempo, para ainda ver Renato, subir pra marcar de cabeça no meio da plantada zaga. O juiz apitou o intervalo com o placar gritando 4 a 0 para o Santos, fora o baile.
A vergonha escorria na cara e na capa dos lunáticos que se propuseram à insanidade de descer a serra rumo ao Urbano Caldeira, sádica e impertinente. A raiva latente pulsando forte nas veias e na têmpora. Na volta do congelante intervalo, 3 substituições de baciada. Desta vez, lá vinha ao campo de jogo Ramon. Um redondo André Lima. E Lucas Marques.
Aqueles que reclamam que o time tem que jogar improvisado, estão certos. Mas o problema é mais grave. Estão todos improvisados. São gente disfarçada de jogadores, de técnico e de diretoria. Chego até a pensar que não é bem assim quando reclamam que o elenco não é bom. Até que é. O problema é que estão no esporte errado.
O Santos, piedoso, reduz o ritmo, sofre incomemoráveis 2 gols, faz mais um. O 5 a 2 dói fundo na alma. Não nos iludamos: poderia ser muito mais. O jogo acaba com o sogro segurando o ímpeto para não pisar no genro sofrido. Minha mulher comenta, num lamento aliviado “ainda bem que VOCÊ não foi”. “Ainda bem”, respondo eu, abocanhando um pastel caseiro acompanhado de um café quentinho feito na hora. “Ainda bem mesmo.”
Penso melhor. Teria sido algo reconfortante ter puxado a fila serra abaixo a partir da capital paulista para poder simplesmente, xingar e extravasar a ira que se acumula na torcida que se vê sendo empurrada para longe pelo clube. A instituição Vitória repele os seus rumo ao desmantelo e a irrelevância. No frio de um outono gélido pelas bandas de São Paulo, é sempre bom lembrar que enquanto ainda houver raiva correndo nas veias da torcida, há sangue e amor. Porque a temperatura lá fora e a distância imantada entre clube e arquibancada estão se esforçando para congelar este sangue, que quando parar de pulsar, significa a derrocada final de uma centenária agremiação saqueada pelos incautos, cínicos que se escondem em retóricas fake news de coletivas propagadoras de infâmias. #ForaTodoMundo!
Mas, persistiremos. Não permitiremos o triunfo dos infames. Nossa loucura de arquibancada será sempre maior que os incautos burocratas que na caneta insistem em nos afastar. Ergo o punho em resistência, de olhos fechados para não enxergar o óbvio. Vemos o sofrimento na esquina e já vamos correndo querendo passar. A vergonha se aproxima e a gente fazendo sala. Somos torcedores, véi. Vai tentar explicar?
Dia 09 tem mais. Itaquera, aí vou eu. Bora?
*Gabriel Galo é escritor
Artigo publicado na página 2 do Correio da Bahia em 04 de junho de 2018. Link aqui.
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Créditos da foto: Marco Silva / Estadão Conteúdo
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