A história da carteira de crédito vendida com desconto camarada (avaliada em R$ 3 bilhões, foi negociada por módicos R$ 371 milhões, 12,37% do valor calculado) ao BTG Pactual e a consequente censura homologada judicialmente me fez relembrar que sempre houve uma diferença fundamental entre a forma como a corrupção de esquerda e a corrupção de direita são percebidas: a (cof, cof) sofisticação.
Na esquerda, circula moeda, dinheiro vivo. Pelo menos é assim que ficou na memória, ressaltada pelos dólares na cueca, pela parede com dinheiro na garagem de diretor da Petrobras, pelo mensalão, pelo dinheiro passando de mão em mão no caso dos Correios.
Não que isso não aconteça na direita. Quem não lembra do assessor correndo saindo da pizzaria? Ou das entregas a certo ex-presidente da Câmara nos banheiros do Congresso? Ou das malas e caixas em certo apartamento de Salvador?
Mas não é aqui que a corrupção da direita opera. É mais sofisticado o negócio.
Imagine o cenário hipotético em que você é ministro da Saúde e empresas fazem pressão para ser aprovada a lei dos genéricos. Certo laboratório, então, oferece, como incentivo e agradecimento, boa parte de suas ações ao ministro – ou a quem ele apontar -, ações que hão de se valorizar sobremaneira com a promulgação do projeto de lei.
Tem mais.
Que tal se você recebesse um percentual generoso de uma ex-estatal privatizada, dada redução substancial do valor de mercado? Hein?
O modelo de ação segue exatamente aquele do caso acima.
Digamos, também, hipoteticamente, claro, que você é ministro, ou assessor, ou sei lá o quê do ministério da economia, ou do Banco Central, ou de um banco estatal, enfim. Tem ali uma carteira de crédito de que quer se desfazer. Vale 3, mas vende por 0,3%. Hein?
Então. Igual.
Pescou a lógica?
Este modelo de trabalho de corrupção, ainda por cima, não rende flagrantes fervorosos, aquela cena emocionante com direito a mesa enfeitada na delegacia para um Datena da vida gritar no jornal sensacionalista de fim de tarde o ocaso do Brasil.
Imagine explicar para o povão como isso se caracteriza em corrupção, detalhando tecnicidades de trade, valuation e afins? Pfff…
A teia desta modalidade de corrupção se perde em transações em bolsas de valores, de transferência de posse de capital social em nome de laranjas, tudo com requinte, garbo e elegância. Coisa fina, como ensinou certo Dantas: não é corrupção, é Opportunity.
E assim o buraco é MUITO maior. Malas de dinheiro têm o limite do espaço físico. No papel e nas transferências digitais, cabe o valor que for.
Para efeito de comparação, as malas ligadas a Geddel representam cerca de 2% do que o escândalo da venda da certeira de crédito ao BTG Pactual. De brinde, Mansueto Almeida, recém-saído da estrutura governamental ligada a Guedes, garantiu seu assento como sócio e economista-chefe no referido banco de investimentos, que em seu primórdios teve ninguém menos que o próprio Paulo Guedes como sócio. Tudo em casa. Só alegrias.
Percebe?
Não que a esquerda também não tenha aprendido essa lição (alô, Pasadena). Refiro-me, exclusivamente, à percepção. E esta percepção permeia o preconceito geral, rejeitando tudo o que vem da esquerda e aceitando sem tanto problema aquilo que vem da direita – preconceito que é alimentado, pese-se, por muitas outras variáveis.
Está nesse modelo de negociata a morada da corrupção severa do Brasil que se pinta de “gestor” e “liberal”, fazendo brilhar os olhos de quem se locupleta das benesses indiretas sem flagrante.
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