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O Daniel Silveira que existe em cada um de nós

O Daniel Silveira que existe em cada um de nós

A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) trouxe à tona várias questões do ponto de vista político e institucional que você certamente acompanhou no extenso noticiário da última semana. Neste espaço, gostaria de adicionar uma perspectiva diferente, ainda que totalmente relacionada com o fatídico e emblemático episódio: o comportamento agressivo que cada vez mais pessoas externalizam nas redes sociais. Aproveito, e já deixo uma pergunta: Como você tem controlado o Daniel Silveira que existe dentro de você?

Como Daniel Silveira não foi o primeiro, e infelizmente não será o último, acredito que vale a pena refletir sobre a atmosfera que envolve o comportamento agressivo nas redes sociais. Tenho certeza de que, em algum momento nos últimos meses, a incredulidade tomou conta quando você leu na sua timeline postagens e repostagens absurdas vindas de pessoas até então consideradas íntegras, amáveis e, por que não dizer, “pessoas de bem”. Uma analogia moderna ao clássico desenho animado de 1950, em que Pateta vive o pacífico Sr. Andante, que se transformava no aterrador Sr. Volante ao entrar em seu automóvel. Em 2021, saem os automóveis, entram as redes sociais.

Mesmo parecendo óbvio, é necessário dizer que já foi cientificamente comprovado que a raiva é mais influente nas redes sociais do que sentimentos como a alegria. Pesquisa[1] feita na China concluiu que uma das razões para a facilidade no compartilhamento de postagens raivosas é a “insatisfação com algum aspecto da sociedade atual”, que faz com que se construa um sentimento de solidariedade entre insatisfeitos – aquela busca por espírito de grupo que mencionei na edição passada da Papo de Galo_Revista, lembra? Pois é. Esse sentimento emerge por meio das postagens – especialmente, das repostagens, que requerem menos esforço das pessoas – e acaba se configurando numa importante demonstração de apoio mútuo.

Em que pese o passado delituoso do deputado agora presidiário, conhecemos bem a insatisfação que ele representa e que o elegeu. Também conhecemos a contínua deficiência da classe política brasileira em lidar com essa insatisfação, não só pela tradicional negligência, mas pela mesma surdez autoritária que toma conta das redes sociais e ajuda a disseminar a cultura do cancelamento – e que também comentei na edição passada, olha isso! Por essas e outras, o vídeo execrável de um deputado federal agredindo a Constituição que jurou defender representa tão fielmente os tempos conturbados em que vivemos.

O fato é que muitos de nós ainda acreditam que as redes sociais são a versão moderna do Velho Oeste nos filmes de caubóis: a famosa “terra sem lei”, na qual podemos fazer o que quiser sem a mínima possiblidade de responsabilização. Essas pessoas, assim como o próprio deputado, sentem a falsa proteção de estarem no mundo virtual, da mesma forma que o Sr. Volante se sentia numa armadura quando estava em seu automóvel. Por outro lado, confiam que a imensidão das redes sociais as protegerá de qualquer tipo de penalidade: afinal de contas, com tanta gente no mundo e com bilhões de post diários, não haveria motivos para alguém prestar atenção justamente naquele post. O que não deixa de ser um paradoxo, já que as pessoas utilizam as redes sociais exatamente porque amplificam o alcance do que elas têm a dizer.

O grande baque em situações como essas vem com a inevitável confrontação com a realidade. Aquele momento no qual se deve prestar contas pelas posturas agressivas que foram adotadas nas redes sociais. Sem a armadura virtual, a tendência natural é a busca pelo pragmatismo, ainda que muitas vezes travestido de covardia. É só lembrar do viral que mostra dois cachorros latindo ferozes de lados opostos do portão fechado, até que um ser humano abre os portões e eles imediatamente se acalmam. Uma coisa é brigar pelo teclado; outra é cair no braço.

Acontece que, nem sempre, o outro lado está disposto a relevar a agressividade desproporcional cometida, e a resposta vem pesada, ainda que de forma proporcional. Ou seja, ver aplicada a Terceira Lei de Newton pode ser muito pior para quem foi responsável pela ação que gerou a reação. Assim, não se pode esquecer que, do mesmo jeito que o deputado teve que, exemplarmente, enfrentar a mão pesada do STF, cedo ou tarde teremos a obrigação de lidar com as consequências do nosso discurso online.

Por tudo isso, considero muito importante que tenhamos a real noção de todos os posicionamentos que assumimos nas redes sociais. Ainda que seja difícil em algumas situações, pode valer mais a pena não ter opinião formada sobre um assunto, ou elaborar um discurso menos agressivo. Parte do que significa viver em sociedade é aguentar alguns sapos quotidianos em prol da convivência harmoniosa. Quando quebrarmos essa regra da boa convivência, é importante ter a certeza de que a briga vale a pena. Assim, teremos a tranquilidade de defender nossos pontos de vista quando formos confrontados fora do ambiente virtual.


[1] Fan, R.; Zhao, J.; Chen, Y.; Xu, K. Anger Is More Influential than Joy: Sentiment Correlation in Weibo. PLoS ONE 9(10): e110184. Disponível em https://doi.org/10.1371/journal.pone.0110184


Artigo publicado Papo de Galo_ revista #12, de 26 de fevereiro de 2021, páginas 29 a 31.


liberdade de expressão,
Capa da Papo de Galo_ revista #12, de 26 de fevereiro de 2021.

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