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Darwin não era assim tão evoluído

Darwin não era assim tão evoluído

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Corriam as 11 horas da manhã do dia 28 de fevereiro de 1832, quando menino Charles Darwin, o próprio, rebento de recém-completados 23 anos, avistou irrompeu a Baía de Todos os Santos a bordo da embarcação britânica HMS Beagle. E ao avistar a costa da velha Cidade da Bahia, inocente, puro e besta como era (beijos, Raul), viu-lhe o queixo cair ao convés. Embasbacado, escreveu ao pai na pátria-mãe 2 dias mais tarde:

“Ninguém poderia imaginar algo tão bonito como a antiga cidade da Bahia; está envolvida em um bosque luxuriante de belas árvores .— & situada em uma margem íngreme com vista para as águas calmas da grande baía de Todos os Santos.”

As palavras de Darwin, que dali de Salvador seguiria viagem, passando por Abrolhos, Rio de Janeiro e Galápagos, para depois regressar à Europa e mudar a história da humanidade, têm caráter perene.

Não há ser que pongue num ferry boat voltando da Ilha de Itaparica que, ao se deparar com as curvas voluptuosas de uma urbe que se livrou do bosque luxuriante, dando-lhe vez ao frio e obtuso cimento, não se admire diante do cenário magnífico da velha Cidade da Bahia.

Séculos adiante, quase no tempo presente, escreveu o cronista baiano, ora, eu mesmo:

“Daí que na volta (da ilha de Itaparica) a mente vai tentando guardar as lembranças. Um emaranhado de novidades, notas mentais e desejos de que nada se vá. Pois é no ápice deste momento que o mundo parecia parar. O sol se punha na Ilha, na popa, e eu ali debruçado, virado para a cidade, na proa. O dia passava o bastão e a cidade assumia seu posto com orgulho. Era um movimento orquestrado, cada pedacinho se fazendo visível, o brilho da noite explodindo. À esquerda, o Bomfim. À direita, subindo o morro, se via a Igreja de Santo Antônio e, com uma boa dose de esforço, a janela vermelha da casa de minha vó. Se pudesse paralisar um instante, seria aquele. Era hipnotizante. Não havia lugar mais lindo do mundo, nem haveria de ter: aquele do encontro do que tinha sido e não se queria esquecido com as luzes na velha cidade da Bahia, como a dizer, ‘pode vir, porque aqui também há magia’.”

Apois, leitoso Darwin, meti autorreferência para poder, em verdade mediúnica lhe dizer: eu te entendo.

Ok, estamos separados no tempo por quase 200 anos e algumas horas dentro do dia, mas Salvador tem dessas. E não importa quantas vezes se venha, ou se vá, o deleite é qual inédito.

Mas, sim, Carnaval.

Volto, agora, a me dirigir a você, pingado leitor, rara leitora, no papo para relembrar um naco de quem era Darwin e o Carnaval de antanho.

Branco como a neve, pálido como um Fiuk em BBB, Darwin carregava na face aquele ar de menino-amarelo, de quem foi criado na base do iogurte. No caso dele, iogurte de vacas holandesas, Danoninho britânico.

Era, portanto, o espelho do privilégio e dava confirmação ao estereótipo. Da rica família herdou mais que prestígio e fartos recursos. Ambos os avós eram abolicionistas – em parte explicando o horror ao ter se deparado com o escravagista Brasil;  e um desses avós, Erasmus Darwin, escreveu Zoonomia (1794), livro que era uma fantasia poética que adiantava conceitos de evolução e descendente comum. Teve a quem puxar.

Na faculdade, Darwin primeiro seguiu para a Escola de Medicina da Universidade de Edimburgo, então a melhor instituição de ensino de medicina do Reino Unido, situada na cidade escocesa com a qual ele tenta comparar Salvador. Mas o negócio dele não era ser médico. E o pai, retado, mandou o filhote para a tradicionalíssima Universidade de Cambridge para que ele se tornasse um membro do clero.

(aqui, a língua ferina pode soltar que o bebê Charles tinha bem cara de coroinha, mas vamos deixar a chuva de estereótipos confirmados para depois.)

Mas Darwin ainda queria outra coisa.

Em Cambridge, Darwin estudou com o primo de segundo grau, William Darwin Fox. Foi quando Darwin, Dirceu, conheceu a coleção de borbole-tas de Fox e se apaixonou pelo tema. Dali foi estudar besouros, e seus trabalhos começaram a ser publicados. Fez-se naturalista. Pouco depois conheceu o professor John Stevens Henslow, colou no professor e não soltou mais. Esta parceria gerou frutos para Darwin.


Carta de recomendação

Em agosto de 1931, Darwin se deparou com uma carta de recomendação do professor Henslow, indicando-o para ser um tripulante adicional e pai-trocinado da segunda viagem do HMS Beagle. A segunda viagem não seria realizada pela embarcação, mas problemas com o navio designado e intercedência junto à cúpula da Marinha Britânica, garantiu que o Beagle, liderado pelo Capitão FitzRoy, retornasse à América.

Tendo havido um providencial convencimento de um reticente pai, uma conjuntura improvável mudaria os rumos da humanidade: uma embar-cação que não navegaria, um jovem rico perdi-do, e um festival de indicações e recomenda-ções, fazendo valer toda a sorte de privilégios.


Entrudo

Respire fundo, estimado leitor, bem-quista leitora, que a conversa agora é que fica boa.

O Carnaval do começo do século XIX era bastante diferente do de agora. Debata-se a origem – ou a conjunção de origens – em hora mais oportuna e atenhamo-nos ao fato: o Carnaval, festa pagã apropriada que antecede a Quaresma, era puro – tirem as crianças da sala – dedo no ÁS DE LOSCOPITA e gritaria.

(um beijo, Franciel)

Era uma bagunça tão magnânima que faria da pipoca de Bell Marques no Carnaval de Salvador um encontro de freiras beneditinas.

O povo saía na rua botando tudo de cabeça pra baixo, tocando o terror de geral.

Tá na Wikipedia – segure o ar:

“O entrudo popular era a brincadeira violenta e grosseira que ocorria nas ruas das cidades. Seus principais autores eram os escravos e a população das ruas, e sua principal caracteres-tica era o lançamento mútuo de todo tipo de líquidos (até sêmen ou urina) ou quaisquer pós que estivessem disponíveis.”

Entenda, criatura, como os pontos de antanho se conectam no agora. O fato de homens ves-tidos de mulheres no Bloco Muquiranas no Carnaval de Salvador saírem por aí jogando água nos outros, embora desagradável e mal-educado, é tradição de séculos, trazida pelos portugueses no siglo XVI, que liberavam inclu-sive os escravos para subverter a ordem. E chu-va de mijo nas arquibancadas da Velha Fonte? Preservação da história. Durma com essa.

Assim era, pois, o Carnaval que o menino do leite de pera, Carlinhos Darwin se arrumou de bater de frente.

Agora, me digam aí vocês, sabidos da zorra toda: o que acontece quando um bando de maluco atrapalhado das ideias encontra um gringo abestalhado pelo caminho?

Tomou.


O que Darwin disse

Não sou Julio Verne mas dei a volta ao mundo no que pareceu 80 dias de prolegômenos para finalmente chegar a Darwininho se metendo a chicleteiro no Carnaval da Bahia. E não foi desavisado ele, não. Foi sabendo.

Na entrada de 4 de março de 1832, Darwin, assim escreveu. Às aspas:

“Este é o primeiro dia do Carnaval, mas Wickham, Sulivan e eu, nada destemidos, estávamos determinados a enfrentar seus perigos. ― Esses perigos consistem em ser impiedosamente atacado por bolas de cera cheias de água e molhado por grandes esguichos de lata.

Tínhamos muita dificuldade em manter nossa dignidade caminhando pelas ruas.

“Carlos V disse que ele era um homem corajoso que podia apagar uma vela com os dedos sem pestanejar; Eu digo que é ele quem pode andar em um ritmo constante, quando baldes de água de cada lado estão prontos para serem jogados sobre ele. Depois de algumas horas caminhando no desafio, finalmente alcançamos o interior e lá estávamos determinados a permanecer até o anoitecer. ― Fizemos isso e tivemos alguma dificuldade em encontrar a estrada de volta novamente, pois tomamos o cuidado de costear ao longo do lado de fora da cidade. ― Para completar nossas misérias ridículas, uma forte chuva nos molhou até a pele e, finalmente, alegremente chegamos ao Beagle. ― Foi a primeira vez que Wickham esteve em terra, e ele jurou que se ele ficasse aqui seis meses, aquele seria o único.”

Peço licença a vossência que me lê e preste atenção no som que vem pelo ar, porque minha gargalhada vai sair daqui e chegar aí.

Veja o despautério.

Pessoa que sai pro Carnaval pra manter a dignidade, por premissa, está com o pensamen-to todo errado. E cúmulo da menino-amarelice, pra fugirem do pau que não aguentaram, se esconderam na CASA DA PORRA, sem um pio nem dois-pio, porque senão a choradeira ia ser ainda maior. É mole?

Isso me fez lembrar de dada entrevista de Reginaldo Holyfield a meu colega João Gabriel Galdea, que reclamando da violência do Carn-aval de hoje em dia, soltou uma pérola, joia de valor inestimável. Chama as aspas aí de novo.

“No Carnaval sempre teve briga, aquela coisa gostosa de sair na mão um com o outro.”

Mas Darwin que não era de guentá, não guentô, e voltou tarde da noite, no breu da cidade desconhecida, pra embarcação. Não era, afinal, assim tão evoluído.

Mais não disse sobre o Carnaval. Continuou viagem, virou sumidade, dominou o mundo com sua TIURIA.

Belchior, sábio, musicou o primeiro verso de como o povo do carnaval se desengraçou pro lado do gringo, mirando o branquela e, beijo no ombro, largou o doce:

“Eu não estou interessado em nenhuma tiuria.”

No caso, o povo só queria saber era de subver-ter os 2 versos seguintes do poeta: fantasia, algo mais, tinta pro rosto, oba-oba e melodia.

Aí, como sói num país fundado na desigualdade profunda e no achaque a expressões populares, quem era de Carnaval foi perseguido – assim como nas festas de largo como a Lavagem do Bomfim – numa tentativa de organizar os festejos e trazer “civilidade” (eufemismo de chatice babaco-moralista de elite cafona) com festejos nos clubes, com separação clara de corpos, conforme ditam os preceitos cristãos.

Nestes bailes, penso, Darwin entraria. Até se divertiria, dedinho pra cima e tudo. E ficaria impressionado com o interesse dos presentes nas suas TIURIAS.

Mas, né? Claro. Neste salão, não haveria coisa melhor a se fazer.



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