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Deixem a cabeleira do Zezé

Deixem a cabeleira do Zezé

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No fim do filme “Obrigado por fumar”, um Senador americano, vértice da luta contra o tabaco, é perguntado por uma apresentadora sobre alterações digitais em fotos históricas que mostram personalidades famosas fumando. As alterações contemplam excluir o cigarro e incluir qualquer outra coisa.

― Você não acredita estar modificando a história?

― Não. Estou melhorando a história.

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Essa semana varreu a notícia de que blocos em alguns lugares estão proibindo – ou banindo, escolha o verbo que você mais gostar – marchinhas de carnaval como “Cabeleira do Zezé” e “Maria Sapatão”.

Tudo o que envolve a apreciação de obras históricas foi deixado de lado: o contexto da época, o significado, a efetividade provocada na causa abraçada. O que importa é o bloco do “sou lindo e correto, me reconheça, mundo”.

Esqueceram, pois, o que significa o próprio carnaval.

Carnaval é a festa da alforria do arrocho religioso, a comemoração extrema para a quarentena de Páscoa. A tradição pagã se juntou e é complicado separar o que é uma coisa do que é outra. Historicamente, o carnaval sempre foi, portanto, uma festa de libertação. E libertinagem, claro.

Não existe festa menos preconceituosa contra os homossexuais ou variações de gênero.

Na tradição de então, homens saíam às ruas vestidos de mulher. Multidões se embalavam ao som das músicas que agitavam o povo, quando homens e mulheres, suados e em êxtase, esfregavam seus corpos numa grande orgia a céu aberto. Ali, no meio da fuzarca, existe, apenas, a entrega ao prazer e à sacanagem.

Era, também, a alforria dos reprimidos, que rompiam seus grilhões e tinham para si permitidos tudo aquilo que queriam: explorar sua sexualidade, por mais diferente e contraventora que fosse. E muitos cresceram na hierarquia da festa de Momo.

Mas agora, os pretensamente evoluídos resolvem “melhorar a história”.

Em uma marchinha, alguns cantam: “Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é?/ Será que ele é?/ Livre!”

Estão fazendo na base força e da imposição. Com a arrogância que os que se julgam moralmente superiores carregam dentro de si. Não conhecem outra forma de atuar senão no grito. Querem enxergar preconceito onde não existe. O viés de confirmação apita mesmo quando há todos os sinais em contrário. O importante é levantar o cartaz.

Nada contra você ter uma causa para chamar de sua. O que incomoda é a imposição de algo que, além de não trazer qualquer benefício, traz antipatia à própria causa.

Ora, por favor, deixem a cabeleira do Zezé em paz!

E mais importante: deixem que o povo brinque carnaval do jeito que bem entender, como sempre fez, mesmo com a constante ação e privação dos reguladores e patrulheiros do prazer alheio.

Porque, meus queridos, vocês que se envolvem nesta de banir marchinha, não estão praticando o bom senso. Estão, com a imposta “melhoria da história”, tão somente, sendo ridículos.

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Foto: ARQUIVO/AGÊNCIA ESTADO; São Paulo, 24 de março de 1954.
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