A interrupção de governos com a tomada à força do poder (seja pelo cano, seja pela caneta) faz parte do DNA político nacional. Somos uma sucessão de insurreições, de “seja feita a minha vontade”, de líderes pretensamente protetores contra o ó tão perigoso mal maior. A pergunta de Caetano continua viva, válida e forte: será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica que sempre precisará de ridículos tiranos?
Atualizemos a letra, substituamos o católica por religiosa, para uma compleição mais abrangente, e pronto, estamos no Brasil em 2018.
Muito há para se dizer sobre a pútrida e fétida união entre Forças Armadas e a política. Em especial, com o Poder Executivo. Nunca houve bons frutos deste laço, onde quer que estejamos no globo, e é tão ingênuo quanto temerário acreditar que podemos ser diferentes. Há poderes maiores que nosso querer. E que, no fim, indicam um querer distinto, não um que se resgate a “moral perdida”, mas sim, que se imponha um padrão a todos, via lei, chicote, ou os dois.
A imposição de ideias é um acinte à democracia. A violência dos combatentes militantes de lado a lado alimenta o discurso de ódio. A insistência em teorias conspiratórias estapafúrdias aumenta o medo e é um dos pilares da manipulação de massas. Somam-se, assim, recorrentemente indícios que cheiram fortemente a uma saída não democrática nestas Eleições 2018.
A mais recente diz respeito ao questionamento de Bolsonaro, na cama de hospital, de que estas eleições, se ele perder, serão fraudadas.
TASSO E SUA CONTRIBUIÇÃO INVOLUNTÁRIA
Existe, pois, um grave teor nesta afirmação do candidato. Que é reforçado pelas declarações de Tasso Jereissati em entrevista ao Estadão na semana passada. Nela, Tasso, ex-Presidente do PSDB, faz uma autocrítica ao tucanato e suas decisões recentes. Afirma que um grande erro em 2014 foi questionar o resultado das eleições desde confirmada a vitória de Dilma Rousseff. Depois, evoluiu para outros erros estratégicos do partido, como incentivar pautas-bomba e embarcar no governo Temer.
Voltando ao primeiro item, Tasso traz ao cerne da discussão uma necessária reflexão. A dos efeitos nocivos de se estremecer as bases já frágeis de nossa combalida e infante democracia. Ao pôr em evidência uma pretensa fraude eleitoral, jogou gasolina numa fogueira de descontentamento popular. Questionar os resultados de uma eleição auditada é, por fim, questionar a própria democracia.
O que Bolsonaro faz agora é, portanto, adiantar o processo. Numa estratégia próxima à de Trump, nos EUA, diz que se ele não ganhar, é fruto de fraude.
Perto do que faz Bolsonaro, a atitude do PSDB se transforma na birra de uma criança mimada sem o seu chocolate. O ex-Capitão coloca a própria democracia em xeque (por mais torta que seja). Afirma, categoricamente, embora nas entrelinhas, que a ele só cabe a vitória. A derrota, consequentemente, é fraude que não dá vez à voz do povo. Mais do que isso. Deixa entendido que algo tão grave não pode ser aceito. Como se dissesse, em tom de intimidação, “ou me elege, ou tomo à força”.
São seguidos alertas de saídas às margens do debate pacífico e construtivo. E a gente sai somando um mais um e não quer crer que reviveríamos um devaneio autoritário. Estamos contra as cordas e, num exercício de aproximação histórica, preparando o palco para que 1964 recomece.
Crédito da foto: Wilson Dias/Agência Brasil