Quem cravou a frase foi Fernando Calazans, comentando sobre o fato de Zico não ter sido campeão pelo Brasil: “Azar da Copa do Mundo.” O meio-campista da enfeitiçada seleção de 1982 se juntava a outros geniais deuses sem título como Di Stefano – que sequer disputou uma edição –, Puskas, Roberto Baggio, Platini e Eusébio, entre outros.
Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, os dos maiores expoentes do futebol nos últimos 10 anos, ícones máximos de uma geração, parecem fadados a se juntarem a este grupo. Conquistaram pelos seus clubes tudo o que poderiam. Craques incontestáveis em números, em fãs, em troféus e em admiração. Mas em palco FIFA, se veem destinados a saírem zerados.
Esta edição russa da Copa do Mundo parece ter unido os dois artilheiros num desenrolar que nenhum deles gostaria de passar. Igualados pelo destino, separados por nuances que recaem sobre atributos subjetivos, e um ou outro mais direto. As coincidências são muitas para serem ignoradas.
Chegando à Rússia, viam-se isolados em genialidade dentro de equipes que não estavam próximos ao patamar elevadíssimo que se acostumaram a exercer. Capitães, líderes técnicos de elencos limitados. Passaram pela primeira fase no último jogo, na bacia das almas, de maneira sofrida, chorada, expondo feridas de equipes mal estruturadas.
Chegaram às oitavas para passarem em branco e se verem eliminados no mesmo dia. Se pela vantagem mínima de um gol, se despedem com justiça. Passaram em branco, para frustração de cada nação que colocou todas as fichas no seu herói.
Embora torçamos para que retornem em quatro anos, Lionel Messi estará com 35 anos no Catar. Cristiano Ronaldo com 37. Certamente estarão longe de seus auges físicos. Terão provavelmente deixado seus papéis de protagonistas para trás. Este adeus na Rússia tem saudade e resignação. Messi olha pelo retrovisor com a impressão de que sua hora e sua vez passou há quatro anos, no Brasil. Ronaldo sequer tem espelho retrovisor para mirar, como se nunca tivesse efetivamente tido sua chance – ou como se todos os seus espelhos refletissem apenas ele.
Ao menos poderão dizer que o adeus vem em dois grandes jogos de futebol. E num combinado sem acerto, num acordo sem assinatura, arquitetado apenas pelo acaso, caiu nas mãos de Messi a transferência do reinado. Não que na esfera clubística se vejam sob a mira de militantes sedentos por glórias individuais. Não estão, e quando parece que alguém chega, repelem com força e uma temporada exemplar. Que o diga Cristiano Ronaldo, vencedor nos últimos 3 anos e favorito ao quarto na sequência. Mas estamos falando de Copa do Mundo.
No 4 a 3 espetacular entre França e Argentina que mandou para casa nossos hermanos, Mbappé roubou a cena. Apesar dos parcos 19 anos, foi um veterano em campo. Rápido, habilidoso, fez valer a fortuna gasta pelo PSG para tirá-lo do Monaco há um ano. Coroou sua atuação de gala com dois gols. O primeiro desde um tal de Pelé, no tão-tão distante 1958, a marcar duas vezes em um jogo de mata-matas com menos de 20 anos em Copa do Mundo.
Na partida derradeira de um mito, o bastão parece ter seguido para ele. A juventude de Mbappé como perpetuação da maravilha que é o futebol. E no caso de Messi e de Ronaldo, se não ganharam uma Copa do Mundo, com o perdão da repetição, efetivamente, azar da Copa do Mundo.
* Gabriel Galo é escritor.
Crônica publicada no Correio da Bahia em 30 de junho de 2018. Link AQUI!