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Dia 2: Poço Azul

Mucugê, 26 de janeiro de 2017

Desta vez o dia não começou tão cedo. Quando despertei, café já estava passado, beiju já estava montado, ovo já frito, e apenas tive o trabalho de misturar meu leite com Ovomaltine. Tomo leite com chocolate no café-da-manhã, todos os dias, sou uma criança, se ser uma criança depender disto.

Na programação, duas paradas: a cachoeira do Tiburtino e o Poço Azul.

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A trilha para o Tiburtino está dentro do Parque Municipal de Mucugê, a poucos quilômetros da cidade. Paga-se uma taxa simbólica de 10 reais para entrar, e todos os que trabalham ali são extremamente solícitos. Explicam, conversam, parecem querer agradar o visitante. Oferecem café, e como nunca recuso, até dou um abraço em Andréia, que cuida da banquinha de quitutes na saída do Centro de Visitantes. Ela é de Itapecerica da Serra, mas criou morada na Chapada há alguns anos.

– Pensa em voltar? Pergunto.

– Oxe?

A trilha é curta, sem nenhuma dificuldade. A falta de chuvas mais uma vez mostra seu poder. A Piabinha, queda d’água do caminho, nem água visível tem, tudo corre por debaixo das pedras. O Tiburtino, mais alguns minutos para a frente, até tem água, mas não se pode dizer que esteja cheio. Apenas três quedinhas d’água, parecendo um chuveiro bem poderoso na vazão, a despejar água. Encontramos uma família e logo fazemos amizade, e ali ficamos por umas duas horas, de papo pro ar, deitados no raso, uma ducha natural, e nada muito além disso.

Nem bem passava do meio-dia, entramos no carro rumo ao Poço Azul.

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A viagem, desta vez, seria mais longa. Saindo de Mucugê, são mais de 80 quilômetros até a saída para o Poço. É nessas que turista se estrepa, a diminuta placa é visível apenas para quem vai sentido Mucugê, não no sentido contrário. Coisas de sinalização na Bahia: nunca dependa disso para se locomover.

A saída fica no caminho de Nova Redenção, povoado alguns quilômetros para fora da BA-142. A placa do Posto Nova Redenção é incrivelmente maior que a do Poço Azul, em qualquer momento. Depois de rodar mais quase 22 quilômetros adentro, precisa quebrar para a direita rumo a uma estrada de terra que faria você sentir orgulho das partes mais esburacadas de onde quer que você more. Mais uma vez, o posto humilha a quase invisível placa do Poço. Foram pouco mais de 8 quilômetros de velocidade reduzidíssima, até finalmente chegarmos ao destino.

Encontramos um descampado com alguns carros estacionados. Custa 30 reais por pessoa. Tem fila de espera, e inicialmente, estimam dão duas horas e quarenta minutos até descermos, o que nos colocaria para dentro perto do fim do dia. Pensei em voltar, mas dá-se um jeito, nos encaixaram no grupo que entraria logo em breve. Ali conhecemos Israel, 34 anos, há 13 anos trabalhando na Chapada, nascido em São Paulo, em Itaquaquecetuba, Zona Leste da cidade. Moço de sorriso fácil, de jeito simples e muito atencioso com todos. Sabe gente que quando você bate o olho, pensa “rapaz, esse cara é do bem.” Pois então, este é Israel. Foi, se apaixonou e por lá ficou.

– Pensa em voltar? Pergunto.

– Oxe?

Nos quarenta minutos de espera, pausa para um pastel com caldo de cana.

Na chamada, você toma uma ducha, já fica de colete salva-vidas, respirador e desce longas e escorregadias escadas. O resultado, no entanto, é mais do que compensador.

O Poço Azul, como o próprio nome diz, é formado por uma água cristalina de um azul vibrante. A profundidade chega a 21 metros, e vê perfeitamente abaixo. Tivesse 100 metros, se veria tudo do mesmo jeito.

– A incidência do sol na água, com alta concentração de magnésio e de carbonato de cálcio, é que dá a impressão do tom azulado, explica Israel, que continua. Quando bate luz diretamente fica ainda melhor, do meio dia às três da tarde, de fevereiro a outubro.

Aí que fica meio surreal: o que víamos como espetacular não era, nem pelo horário (pouco passava das três), nem pelo período (janeiro), o melhor que o lugar pode oferecer! Resta, apenas, pensar no que seria.

– Por que aqui pode mergulhar e no Poço Encantado não? Pergunto curioso.

– A água do Poço Encantado é parada. Qualquer alteração ou sujeira danifica a água para sempre. Aqui tem corrente, a água se renova, por isso que é permitido mergulhar.

Nos dão máscaras para respirar e enxergar debaixo d’água, e por cerca de 20 minutos, você tem a impressão de estar voando. Ali embaixo, árvores caídas, pedras roladas, a rocha esculpida pela água.

Lindo.

Magnífico.

Na saída, além da frustração de haver terminado o tempo, a vontade gigantesca de voltar para ver o sol entrando pela rocha, beijando a água, e elevando o nível de beleza às margens do irreal.

Se a rainha da Chapada é a Cachoeira do Buracão, o Poço Azul pertence à família real.

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