Salvador, 28 de janeiro de 2017
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Era setembro de 2012, estava em Lisboa a trabalho. Num dos dias, saí à noite, no Bairro Alto, point boêmio da cidade. Lisboa é uma cidade que em apenas 5 dias me fez apaixonado por ela. O sotaque dificílimo de reconhecer, apesar do mesmo idioma, embora eles nos entendam claramente, coisas de produtos de exportação da Globo, que bombardeiam a televisão local dia e noite.
Por falar em bombardeio, num programa à tarde, ouvi uma piada que me fez rir por horas. “Se as guerras tradicionais fossem de travesseiros, o mundo não seria apenas mais pacífico. Seria mais fofo.”
Numa rua qualquer, um café com mesas na calçada. Na porta de vidro lia-se “Ar condicionado. Dentro.”
Como não se apaixonar?
Estava no Largo do Chiado, esperando alguns colegas de trabalho, que ainda demoravam por chegar, parei num café qualquer. Logo ao lado da saída do metrô, uma banda de Cabo Verde tocava um som típico do país. Dançante num nível que você não imagina. No que um casal de meia-idade, que cruzava o Largo, decide que o que quer que tinham para fazer pode esperar, e começam a dançar juntinho.
Dançar no meio da rua é indicativo de felicidade, meus amigos.
Mais uma vez: como não se apaixonar?
Terminei meu café, pessoal chegou, paguei a conta, depositei uns Euros no chapéu da banda e saímos.
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Uma breve nota sobre despedida.
Nossa saída de volta a Salvador, saindo de Mucugê, não reservou qualquer pesar ou emoção especial. Explico.
Sabe estas despedidas choradas e doídas, que vez ou outra vemos em aeroportos, por exemplo? Aquilo nunca me agradou, por ser uma ruptura, uma interrupção. Sim, eu entendo, tem a vontade, tem a saudade… Relacionamos saudade com dor de maneira diretamente proporcional. Prefiro as despedidas que praticamente não se percebe, como quem sai para ir ali à padaria comprar pão para o café da tarde. Um até logo, por assim dizer. Porque esta é a imagem que quero guardar na minha cabeça: a de que daqui a pouco estou de volta. Com ares de continuidade, quando poderemos retomar de onde deixamos suspenso. Um pause, não um stop.
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Muito forró na viagem. No iPad, ligado na caixa que sempre carrego comigo nas viagens, uma seleção de músicas feita em 2013, quando do aniversário de 2 anos de meu filho. Cruzar o sertão ouvindo forró faz a viagem longa ficar rápida e agradável. Seu Lua e Jackson do Pandeiro são excelentes companhias.
Viramos à esquerda bem antes de Salvador, pulo estratégico em Jauá, a conferir o estado do negão. Amigo de longa data da família, por quem sinto um carinho descomunal, destas pessoas de querer manter por perto, para sempre. Vê-lo bem, falante, caminhando e cheio de disposição foi ao mesmo tempo alegre e tranquilizante.
Aílton, voltamos logo, porque temos que ir ao Solar do Unhão ver a Jam no MAM.
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Nas minhas muitas vindas a Salvador nos últimos anos, por um motivo ou por outro, nunca vi uma Jam no MAM ao vivo. Os motivos, normalmente, eram o de o papo ficar rolando solto sem hora para acabar nalgum lugar, enquanto que lá tem hora para começar, e percebemos que os tempos das coisas não seguem o curso da nossa prosa.
Chegamos em cima da hora, mas ainda em tempo de ver sol se pondo no Solar do Unhão. Na fila para comprar o ingresso – 8 reais a inteira, 4 reais a meia –, já se ouvia o som ao fundo. Muita gente, de todos os tipos. Estava sendo transmitido ao vivo pelo Youtube no canal do evento e também pela Rádio Educadora, joia do rádio baiano.
No palco uma banda belga, a Les Fanfoireux. Os gringos se esforçavam para falar português, e eu espantado, afinal, belga falando português só quando se casa com brasileiro. Mas não. A banda viaja tocando em festivais de Jazz mundo afora, e é estudiosa de ritmos de lugares como Haiti, Cabo Verde, Brasil, e até mesmo adaptações do Leste Europeu.
Atônito; isto resume bem como me senti.
10 músicos, sendo 5 instrumentos de sopro, dominam o palco. O ritmo contagia a todos, e muitos se colocam a dançar. É contagiante, impossível ficar parado.
Me vem à cabeça o casal em Lisboa.
Experiências altamente recompensadoras são estas que transportam para gravações ternas da memória.
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E ainda anunciam que hoje, domingo, vão abrir show de Lazzo Matumbi, ali mesmo no Solar do Unhão, a partir das 17 horas. Porra! Ainda mais essa? Começo a mexer no tabuleiro das coisas para fazer, tem que encaixar! Mas não dá…
Como me disse uma amiga, com quem a carne-de-sol vai ser compartilhada hoje, nesta viagem tinha que botar uns 10 a mais para tanta querência.
Pois é, minha gente, lembre-se destas sábias palavras. Carreguem consigo quando a-hora-para-começar vence o-sem-hora-para-acabar, e o querer não bastar:
Querência não é podência.
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