Hernandárias, 29 de junho de 2017
Uma grande família chega para jantar num excelente restaurante. Família numerosa e de nenhum barulho. Ele é chinês, ela é paraguaia, com 4 filhos: 3 meninos com idade que devem ir de 8 a 18 anos e uma menina de não mais do que 5. O pai está no canto de frente para a parede e para o filho mais velho. Ao lado do pai, o filho mais novo e a mulher na outra ponta. Do lado do irmão mais velho, o segundo filho e a menina, de frente para a mãe.
Nem uma palavra é trocada, todos mergulham nos seus celulares.
O pai, talvez satisfeito com sua função de provedor único, fiando-se na dependência imposta aos seus, sequer olha ninguém. Um certo momento, vira-se – ele fala! – mas é para perguntar se já escolheram seus pratos. Nem durante a refeição desgruda os dedos e os olhos da tela.
A mulher compartilha um ar de desespero depressivo um tanto patético. Incapaz de sorrir, abre e fecha suas telas do Whatsapp freneticamente, como a torcer para que uma mensagem tivesse chegado e pudesse fugir dali. Fecha o celular, e sem qualquer apito, nem 2 segundos depois, desbloqueia o aparelho, abre a tela: nada. Seus seios são cheios de silicone, seu rosto cheio de botox. Queria estar em qualquer lugar, menos ali. Seus gestos gritando “me tira daqui!”
Entre ela e o marido está o terceiro filho, no auge dos seus 8 anos, mas que ainda precisa que a mãe lhe dê comida na boca. Ele faz caras de dor e de sofrimento fingido, e recebe como recompensa de sua dissimulação afagos desajeitados e aviãozinho para comer. Evidentemente, como de se esperar, tem ele também sua tela, de onde não desgruda o olho.
Do lado de lá, os mais velhos têm em seu mundo apenas a diminuta tela. Seus mundos e nada mais.
Afinal, qual mundo, se cada um se esconde no seu?
Ao lado deles, a menina.
Ela não tem celular.
Usa um Crocs verde com meia da Minnie, uma calça esportiva da Adidas, uma camiseta polo rosa embaixo de um agasalho também esportivo. O cabelo arrumadinho, tendo sobrevivido ao dia na escola, na arrumação que alguma empregada deve ter feito.
Procura distrair-se de outras formas. Canta um pouco. Mexe as mãos como se dançando. Tenta falar com alguém, mas ninguém lhe dá bola.
Um certo momento, o rosto da menina se ilumina. A mãe estica a mão e lhe faz um carinho na sua. Ela sorri enternecida, genuinamente feliz, se solta um pouco mais na dança, canta mais. Foram os melhores 5 segundos da noite dela.
Há uma clara necessidade de tato, do toque de carinho da mãe, de uma palavra do pai.
No meio de tanta disfunção, ela era a única que queria estar ali. A única que tentava, do jeito inconsciente e ingênuo dela, levar humanidade a uma família tão ausente.
Quando se nega a oportunidade de fazer sonhar uma menina de 5 anos, está tudo errado.
Queria trazê-la para minha mesa, para perguntar como foi o dia, me ensinar o que aprendeu na escola, que música que ela estava cantando, que livros e histórias ela gosta de ouvir.
O progenitor provedor paga a conta. Eles se vão. Todos de volta para a vida confortavelmente miserável e infeliz que levam.
Exceto a menina, que saltita cantarolando enquanto segue para o mundo lá fora.
Ainda há esperança.
Que a vida não lhe ensine a perder este espírito.
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