Nada há de intransigente demais na política que não possa ser resolvido com distribuição farta de cargos e de dinheiro.
Decerto, este arranjo não é capaz de unir opostos na mesma composição governamental, mas é capaz de fazer com que opositores de ocasião retornem correndo aos braços do dono do dinheiro.
Ou melhor, será que nem os opostos mesmo se aliaram?
A eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara dos Deputados choca – ou deveria chocar.
Primeiro porque Lira é condenado em segunda instância, mas em vez de ter seus direitos políticos cassados como condenado que é, opera no submundo dos regramentos do Congresso para não apenas manter o seu cargo, mas para cavar influência suficiente para alçá-lo ao mais alto posto da casa.
Segundo porque a eleição de Lira teve o apoio entusiasmado de nomes que não se veem olhos nos olhos, como Aécio Neves (PSDB-MG) e parte da esquerda.
O movimento em torno do apoio a Lira, em detrimento da candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) viabilizada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) indica um intenso rearranjo partidário visando 2022.
PSDB, DEM e PSL, além do próprio PP, que negocia o reembarque de Jair Bolsonaro em sua sigla, da qual se serviu o presidente por perto de 20 anos.
Os 3 partidos têm ministérios no governo Bolsonaro, mas também têm lideranças que se posicionam na oposição ao presidente.
É nesta dança das cadeiras que se concentram muitas das negociações em curso em Brasília. E que podem alterar significativamente as estruturas de poder.
Movimentação ideológica
O PSDB, desde a derrota de Aécio na corrida presidencial de 2014, vive em turbulência. Apesar de João Dória, governador de São Paulo, ter adotado o BolsoDória como mote de campanha, aproveitando-se da onda reacionária de 2018 para se eleger, desde a largada do mandato vem construindo imagem de líder de uma oposição que, embora facilitadora da eleição do presidente, finge-se de desentendida e quer se afastar de um governante incapaz.
Mas partes do PSDB veem com bons olhos a aproximação com o presidente. E quem comanda a articulação é justamente Aécio Neves.
Este ruído de desentendimento de caciques tucanos – nunca houve harmonia entre a alta cúpula do partido – parece ter chega ao limite.
Tasso Jereissatti afirmou esta semana que o PSDB dele não apoia Jair Bolsonaro. Mas Rogério Marinho permanece ministro do governo.
É de se esperar, pois, a ruptura do PSDB. Parte, comandada por Aécio Neves, vai buscar seu espaço na extrema-direita, pois compartilham entre si ideais golpistas. Parte vai buscar higienização como direita limpinha.
É o fim da era de espírito dos embriões da social democracia paulista.
João Dória, dono do partido, tenta atrair para a sigla Rodrigo Maia e um grande número de deputados, prefeitos e outros políticos.
Porque Maia, apesar do destaque recente, perdeu a queda de braço no DEM para ACM Neto e braço extremista.
Assim como o PSDB, a ruptura é iminente. Mas o antigo PFL vai se pintar de extrema-direita.
O DEM é um dos partidos mais poderosos em Brasília. Fez dobradinha Maia-Alcolumbre no Legislativo. No Senado, elegeu Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que durante a campanha uniu opostos, direita e esquerda, bolsonaristas e petistas, em torno de seu nome.
Dessa maneira, os partidos mais à direita têm vivido dias cruciais. A tendência é de definir com clareza onde se encontram no espectro político, expurgando das bases nomes dissidentes. Assim, o DEM se aproxima da extrema-direita, enquanto PSDB e PSL seguem caminho inverso, se afastando da extrema-direita e buscando espaço na direita limpinha.
Siglas históricas – à exceção do PSL – que padronizam o posicionamento ideológico.
E o Centrão?
Há um grupo de partidos que, ao contrário de DEM e PSDB, sempre ignoraram movimentos ideológicos, e são entusiastas dos movimentos fisiológicos. Partidos como Republicanos, MDB, PSD e PP contam com ampla bancada, apetite por controle de gastos públicos e desregrada bússola moral.
Estes são aqueles partidos que serão sempre governo, não importa quem lá esteja. E cobram o preço para embarcar com a base grande o suficiente para fazer passar projetos do governo, ou, quem sabe, barrar um pedido de impeachment.
Estes são o núcleo duro que o General Heleno, durante campanha de 2018, cantou sarcástico “se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”.
Não ficaria, mas a lei tem brechas.
O PP, partido mais implicado na Lava-Jato, celebrou a saída de Sergio Moro do governo e o fim da operação que prendeu diversos líderes do partido. Mas para se tornar braço do bolsonarismo cobra caro.
A queda de Dilma Rousseff mostrou o quanto estes partidos estão dispostos a abrir mão de alianças sedimentadas para impor a sua agenda. E encontrar o ponto de equilíbrio para agradar Lira e o PP parece ser uma incógnita.
De fato, governo e Lira sabe o quanto dependem um do outro. O governo para tocar a sua pauta na câmara; Lira para impedir avanços em seus diversos processos em que é réu, fora a condenação em segunda instância.
Bolsonaro se precaveu. Acuado, liberou cerca de 3 bilhões de reais em emendas parlamentares, comprando apoios num mensalão para chamar de seu – tolo é quem acreditou na nova política votando num sanguessuga do erário público por 3 décadas.
O jogo está claro: ao Centrão, só recursos em profusão acalmam os ânimos. Mas como garantir estes recursos em meio a uma crise prolongada e quando nem o orçamento de 2021 foi definido, deixando órgãos públicos inadimplentes, tanto internamente quanto internacionalmente?
Viveram, pois, Lira e governo em sistema constante de chantagem. Melhor que se agradem, caso contrário, ambos têm muito a perder.
Em meio a isto, Maia sai da presidência da Câmara menor do que quando entrou, partidos se consolidam em espectros ideológicos, há quem veja Aécio como potencial vice de Bolsonaro em 2022, e o Centrão é o que sempre foi.
Intriga, contudo, a inoperância surda do maior partido de oposição do Brasil. Calado, rompe o silêncio para anunciar, Lula como candidato em 2022, e se não puder, Haddad à frente da chapa. Logo, em vez de se tornar poste na última hora, Haddad vai assumindo sua sina desde já.
Artigo para a Papo de Galo_ revista #11, de 12 de fevereiro de 2021, páginas 46 a 50.
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