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Ela queria um gato

Ela queria um gato

– Vou comprar um gato.

Minha primeira reação foi procurar uma câmera escondida. Depois, uma interrogação gigantesca, como quem não tinha processado muito bem a informação.

– É sério, vou comprar um gato. Anti-alérgico, anti-ácaro, anti-mofo, anti tudo! Não é legal?

Não sei quanto tempo eu fiquei calado. Ela era livre para fazer o que bem entendesse de sua vida, por mais absurdo que fosse o que quisesse fazer. Mas nunca achei que chegaria ao ponto de comprar um gato.

Eu odiava gatos. E ela sabia disso.

Ela não tentou me convencer de que eu iria gostar.

Achei que seria a partir desse ponto que o nosso casamento começaria a ruir. Como ela podia fazer aquilo comigo? Justo um gato? Não poderia esperar terminarmos de comer pelo menos para dar tal notícia desagradável? Ó, céus! Começou um princípio de indigestão.

– Entendo que você queira um bichinho de estimação, mas um gato é demais, não? Que tal um peixinho?

– Você está de brincadeira, né? Qual a graça de um peixe? Não pode passar a mão, não pode brincar, não tem o ronronar no pé do ouvido…

Bateu-me um arrepio imenso. Chegou a nevar na sala de jantar. Já tinha convivido com gatos. Tenho, portanto, motivos para não querê-los por perto.

Quais são? Não sei exatamente. Mas, ora, não gosto e pronto! E o ronronar me dava medo. Já imaginava aquele bando de bicho correndo pela casa, rasgando o meu sofá, deixando rastros com cheiros horrendos pela casa. O cheiro subindo e eu estava jantando! Mas era o meu casamento que estava em jogo. Ali. Na minha frente. Não poderia falhar.

– Tudo bem, realmente um peixe não daria certo… Que tal um passarinho?

Arregalou os olhos com um ar de espanto. Jamais esperava aquilo de mim.

– Você não tem coração, por acaso? Enjaular um ser vivo, cerceá-lo de sua liberdade sem opção de escolha! Morreria de desgosto se tivesse um pássaro preso em casa!

Começou a chorar. Tinha que ser rápido.

– Ah, claro, só queria saber sua opinião sobre o assunto, também acho um absurdo! Lembra que eu comentei da matéria que saiu no jornal da TV ontem sobre contrabando de animais silvestres lá da Amazônia?

– Não.

– Não? Devo ter comentado com outra pessoa então. Como tem gente ruim nesse mundo, né? Que tal um cachorro?

Ela começou a chacoalhar a perna, nervosa. Já não comia mais.

– A gente mora num flat de 30m2. Onde a gente vai botar um cachorro?

Isso era verdade. E ela chorava ainda mais. Fazia muito barulho. Ameaçou levantar, segurei-a pelo braço. Não estava funcionando, mas tinha que me livrar do gato de qualquer jeito.

– Podemos pensar em bichos exóticos, ouvi dizer que eles são excelentes bichinhos de estimação! Que tal uma iguana?

Nada.

– Uma cacatua?

Não movia um músculo. Mas seu olhar me fuzilava. Será que ela está de TPM? Meu Deus, por que homem nunca lembra da data que vai descer e se a mulher está ou não de TPM?

– Já tinha dado até nome para ele: Hércules!

E chorava! Mas eu não consegui me controlar! Hércules? Tive uma crise de riso. Não sei se de nervoso ou de engraçado. Mas que o nome Hércules não tem graça nenhuma, bom, isso não tem mesmo.

– Bom, você é quem escolhe: eu quero um gato e vou ter um gato, com você ou não.

Saiu da mesa batendo o pé, entrou no quarto e trancou a porta.

Fiquei na sala, sem dormir. Cada vez que pegava no sono, via milhares de gatos nos meus sonhos e acordava, suado e com a respiração ofegante.

Pato? Não, não dá. Cachorro? Já foi… Até uma iguana ela recusou! O caso era grave.

O dia amanheceu. Ela levantou, não me olhou, não deu bom-dia, nem fez menção de tentar uma comunicação comigo! Poxa, que mal tem em não gostar de gatos? Tudo bem que quando nos casamos, há 8 anos, ela tinha falado da sua paixão por gatos, mas tinha apagado isso da minha memória, afinal, tinha certeza de poder demovê-la desse mal que se espalhava por sua mente!

Mas eu a amava! Era louco por aquela mulher, e estava disposto a tudo para poder ficar com ela. Estava desesperado, tinha que pensar em algo. E ela ali, impassível.

– Querida…

– Hum.

– Estive pensando sobre ontem à noite.

– Hum.

– E eu tenho que te dizer uma coisa muito importante:

Meu coração disparou. Era minha última chance. Meu desespero era profundo, não raciocinava direito. Estava louco?

– Nós já estamos casados há 8 anos. Sou a pessoa mais feliz do mundo ao seu lado, e acredito que, uma vez que a minha escolha está feita, tenho que lutar para fazer feliz a pessoa ao meu lado: você.

Olhou-me com ternura. Estava funcionando.

– Portanto, por você, eu faço o sacrifício: teremos um gato!

Eu até hoje não entendo por que continuo dormindo na sala.

***

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