Sábado, vinte e nove de setembro de 2018. Esta data estará gravada na história como o dia de uma das manifestações mais simbólicas do Brasil. O dia em que mulheres – e simpatizantes da causa do #EleNão – se uniram na casa de milhões para protestar contra um candidato à Presidência da República em cidades espalhadas pelos quatro cantos do país.
Pense em grandes momentos em que o povo tomou as ruas. Dentre as opções certamente estarão algumas dessas que terão a companhia do evento que testemunhamos neste fim-de-semana. Como a marcha pela família, utilizada inescrupulosamente para justificar a Ditadura Militar. Ou a campanha pelas Diretas Já. Os caras-pintadas contra Collor. As passeatas de orgulho gay, agora grande negócio. As manifestações de junho de 2013 e as de março de 2015.
Via de regra, a ida às ruas se dá por 2 motivos: a luta por direitos fundamentais e o protesto contra o poder instalado ou estrutural. Às vezes, os dois ao mesmo tempo.
Por um lado, o protesto contra o poder instalado tem ar mais espontâneo. Qtrai multidões por ter uma causa forte, que afeta diretamente a vida de parte significativa da população. (Embora, admitamos, nenhum movimento de larga escala é originado sem organização central, normalmente, partidária. Invalidar um levante popular pela origem significa efetivamente invalidar TODOS os movimentos que já existiram.)
Costumamos, por outro lado, terceirizar a luta por direitos. São raros os eventos em que efetivamente saímos para brigar a favor de nós mesmos. A Diretas Já foi um destes raros eventos em que tanto luta por direitos fundamentais se encontrou com protesto contra o sistema. Mais a mais, vimos os sindicatos – e suas estruturas enviesadas e cheias de falcatruas – dominarem a cena. Protestar por direitos se tornou, por fim, coisa de sindicalista, de gente que sai na rua para tomar porrada da polícia, atrapalhar o trânsito, fazer greve e atravancar o crescimento (sic) do Brasil. Fixou-se a norma de que se ocupação é relacionada a política ou a trabalho – ao contrário das religiosas ou identitárias –, é coisa de vagabundo.
Temos ainda muito o que aprender com países como França, Estados Unidos e, pegando exemplo mais próximo, Argentina, que a manutenção – ou ampliação – dos direitos de cidadão se faz a partir de participação popular. Caso contrário, como fazer os mandatários verem que os anseios de um povo existem e são urgentes?
Neste 29 de setembro, no entanto, inaugurou-se uma nova onda de manifestação. Tão rara que, talvez, única por aqui. A do protesto contra uma ideia. Contra um risco iminente. Contra uma figura que ameaça a própria democracia.
Liderado e organizado por mulheres que não fraquejaram diante do inominável, o movimento tomau as ruas num ato sublime. Concorde-se ou não com a pauta, há de elogiar e aplaudir o que se viu no sábado. Evento pacífico, plural, objetivo. Que convocou milhões e foi atendido. Que vai impactar sobremaneira as eleições 2018. Mulheres que, mais do que voz e gritar #EleNão, querem vez, querem participar, querem pautar, querem decidir.
Ademais, talvez signifique um ponto da virada no nosso maltrapilho país. O de que efetivamente podemos ter chegado a uma época em que não mais temos preguiça de lutar por conta própria por aquilo que acreditamos.
Por fim, é importante reforçar que lugar do povo é na rua. No Carnaval. No Domingo de lazer. Nas viradas culturais. Nas festas de largo. E também nos atos de protesto e manifestações fundamentais. Ou seja, quando quiser. Somente assim, quando o povo se faz cidadão muito além de seu voto, podemos cimentar os alicerces de uma cada vez mais forte democracia.