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_Entrevista: FELIPE MILANEZ

_Entrevista: FELIPE MILANEZ

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Felipe Milanez não tem papas na língua. Colunista do Mídia Ninja e da Carta Capital, é um ecologista político que não tem medo de dizer as coisas como pensa.

Conversei com ele em 16 de junho, quando ele externou quais as suas maiores preocupações com as ações ofensivas do governo e como a pandemia pode ser especialmente severa nas comunidades indígenas.


Líder macuxi e professor Fausto Silva Mandulão, morto pela Covid-19 em 3 de junho de 2020.
Foto: página pessoal Facebook

A covid, não é tão letal, mas ela chega e se espalha muito rapidamente. Já tem caso hoje de aldeia que tá 80% contaminada. Tem uma aldeia caiapó em que eu trabalho muito próximo, no Pará, que fizeram 62 testes e 51 deram positivo. Não tem nenhum caso grave nessa aldeia, mas tem uma outra em que uma senhora de idade morreu. O problema é que é uma doença que mata velhos. E quando você perde essas pessoas, você perde a história, pajés, líderes… Acabou de morrer um líder macuxi no circum-Roraima. O efeito político do covid é devastador com relação aos povos indígenas, como também é para os quilombolas.

O impacto dessa pandemia é um genocídio porque tem um interesse de provocar essas mortes.

Hoje está em discussão o PL 1142 para alocar recursos e ajudar os povos indígenas e quilombolas, mas o governo federal não quer aprovar isso porque vai gastar dinheiro. Mas com 10 mil reais você compra 2 compressores de ar e coloca numa aldeia, podendo salvar a vida de 8 anciãos. Eu doaria o meu salário de um mês como professor para salvar a vida de um velho indígena.


A fala de ‘odiar povos indígenas’ não está isolada, não é um puro ódio. Ela está relacionada diretamente com o Guedes, Teresa Cristina, Salles e a Damares. Essas falas compõem um todo para entender o que o governo Bolsonaro está fazendo com os povos indígenas.

O Salles fala que é um bom momento para ‘passar a boiada’. E o que a boiada quer fazer? Explorar o agronegócio, capital financeiro e mineração. É uma venda dos recursos naturais do Brasil para o exterior. É uma mentalidade colonial absurda. E como na história do Brasil, eles ganham dinheiro só na transação. Tem um componente econômico, portanto, que está por trás da fala racista. E a Damares enxerga que está tudo bem porque há um propósito maior de evangelização dos indígenas, e ainda acusa os índios de estarem se matando para prejudicar o Bolsonaro. Há uma harmonia de ideias, uma composição neo-fascista.

Ricardo Salles, ministro do Meio-Ambiente.
Foto: Fábio Pozzebom │ Agência Brasil

A ideia de que só existe um povo aqui no Brasil, remete a um passado mítico e que projeta um futuro adorado, com um messias, e isso é feito a partir do extermínio de toda diferença. Essa reunião ela desenha a estrutura genocida que está em marcha nesse momento.

São 300 indígenas mortos no Brasil por Covid-19. É quase o mesmo número de mortes totais na Argentina! É uma loucura. E como a doença chegou nessas aldeias isoladas? Há casos que indicam em que foi levada por agentes do governo federal, por omissão, com agentes de saúde que não respeitaram a quarentena. Isso aconteceu, por exemplo, na aldeia aukre do povo caiapó, aconteceu em 5 aldeias do povo kanamari, no Vale do Javari, aconteceu numa aldeia tirió, no Parque do Tumucumaque.


Quando morrem os anciãos, não se abre apenas espaço para evangelização. É mais fácil negociar a exploração da terra, a extração de madeira. Perde-se toda uma estrutura ritualística.

Logo da New Tribes Mission

Há um caso emblemático. Povos indígenas entraram com uma ação para proibir a entrada de integrantes da New Tribes Mission –braço da evangelização forçada patrocinado pelo governo federal e sob regras da ministra Damares–, como prevenção à entrada da Covid-19 no seu território. No processo, o advogado escreve que ‘os povos indígenas não podem estar à mercê de lunáticos que acham que estão em contato direto com o criador’.

Por trás dessa instituição evangelizadora tem muito dinheiro, boa parte oriunda de doações vindas dos EUA. Então tem muitos interesses envolvidos. Não é simplesmente ir lá e convencer alguém. Quando se chega a uma aldeia de helicóptero, levando coisas que as pessoas precisam, como aspirinas e instrumentos, e dizem ‘eu te dou se você rezar um Pai Nosso’, há um desequilíbrio de poder. Depois, uma vez convertido o povo, fica mais fácil para levar pecuária, usina hidrelétrica, madeireira, garimpo, tudo que vem junto com esses missionários. É um crime contra a humanidade!

Não há problemas em professar a fé. Mas invadir a terra indígena não é questão de fé.

O território indígena é mais complexo até mesmo que a concepção de sagrado. É mais profundo. É ontologia: é um universo diferente. Os rios, as árvores, as serras são sagrados. No candomblé também há árvores sagradas. Mas para os indígenas é ainda mais forte. Todos os sapos para os pankararu são sagrados. Eles fazem uma dança para os urubus que é linda. Para eles, os urubus são como gente. A dimensão entre o que é o que não é humano tem um caráter diferente no território indígena, que não dá pra dizer o que é ou não sagrado. Excede esse conceito, está numa dimensão de pós-humanidade.


O ataque de Weintraub já vem de muito tempo. Eu, como professor, sofro com as suas palavras. A UFBA, por exemplo, tem um dos melhores reitores do Brasil, João Salles, uma figura humana excepcional. Mas isso não impede que ele seja pessoalmente ofendido pelo Weintraub há mais de um ano.

João Salles, reitor da UFBA.
Foto: divulgação

Então, quando ele xinga os povos indígenas, aquilo poderia parecer um simples xingamento desarticulado de algo mais forte. O que me chocou mais naquela reunião foi o Ricardo Salles.

Quando se junta a fala de Weintraub com o Salles, a gente entende por que ele odeia povo, porque ele quer passar a boiada.

Mas tem um outro motivo também. Por que falar de índio? Porque os índios foram para cima dele. As primeiras manifestações contra ele foram feitas por estudantes indígenas em Alter-do-Chão, no Pará. Aquela região tem um dos movimentos estudantis indígenas mais engajados e articulados do Brasil, e que quer reconhecimento de seus povos.

O fundamento de se negar a legitimidade dos povos indígenas está focado também no conflito por terras, em um lugar que fala que essas pessoas não são índias, são caboclas, que não existe mais índio no Brasil. Então, quando Weintraub fala que odeia povos indígenas, ele fala também desses estudantes que protestaram contra ele, e que depois foram ameaçados pela polícia local. Por isso, a fala não me chocou.

A reunião serviu para ver o cruzamento do ódio dele com os outros ministros. Eu defendo desde a campanha que Bolsonaro tem uma proposta de genocídio indígena. E isso acontece não apenas pelas falas, mas pelo sistema que está sendo colocado. E nessa reunião o sistema estava desenhado.

A frase de ódio, em si, serve a este genocídio, à legitimação de um neo-fascismo que quer exterminar o diferente e que remete a passagens históricas como o Integralismo.


A questão da simplificação da ideia de povo é um projeto de poder, é um padrão da colonização do Brasil.

E ela tanto homogeneíza a população e a cultura, quanto a paisagem. É uma simplificação de toda a diversidade. E é também ecológica, quando se pretende substituir floresta por pasto e plantações.

É uma estética contra a diversidade e que compõe todo o momento em que estamos vivendo. É o passo-a-passo de como se constrói uma política neo-fascista. E os indígenas são oposto à unidade, eles são uma máquina de produzir diferenças.

Há uma situação básica que diferencia o neo-fascismo americano daquele visto na Europa. Tanto no Brasil quanto nos EUA, nós temos os invasores se dizendo proprietários da terra e da cultura, transformando os povos originários em estrangeiros em seu próprio território.

Apoiador de Bolsonaro envolto em bandeira associada ao neo-fascismo e neo-nazismo ucraniano durante manifestação em São Paulo.

Esta fundamentação ocorre também na distorção do marco temporal da Constituição de 1988, que se os indígenas não estivessem na terra demarcada naquele momento, ele seria invasor, sendo que ele foi expulso de sua terra pelo colonizador que agora ajuíza ação para oficializar de vez a tomada de posse de terras indígenas, sem assumir a violenta história pregressa.

Então, para conseguir imaginar um futuro diferente, inventa-se um passado heroico, como os bandeirantes, e tenta inventar um povo que não é único, é intercultural, é plurinacional.

No fim, eu percebi o impacto das diferenças indígenas quando morei na França. Porque num pequeno espaço territorial, tem tantas nações, línguas e culturas diferentes. Mas ainda assim é uma fração da diversidade que vemos no Brasil. E isso afeta outros pontos, como a diversidade ecológica, que é estimulada e promovida pelos indígenas. Muitos dos alimentos que são base da alimentação mundial vêm dos indígenas.


Entrevista publicada com exclusividade na Papo de Galo_ revista #3.

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Capa da terceira edição da Papo de Galo_ revista.

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