Lendo agora
_Entrevista: LEONARDO ANTONIO

_Entrevista: LEONARDO ANTONIO

Leonardo Antonio, sociologia, Papo de Galo_ revista, Papo de Galo, revista

Leonardo Antonio é sociólogo e antropólogo. Em 2002, fomos colegas de graduação na faculdade de Administração da FEA/USP. Ele, no entanto, ficava mais tempo na biblioteca que na sala de aula. Em 2004 ele deixou o curso para já ano seguinte ingressar em Ciências Sociais, também na USP, pensando em fazer uma vida acadêmica na área de educação. Neste período, começou a se engajar em alguns movimentos sociais em São Paulo, dando aula de reforço em alguns cursinhos populares, e principalmente atuando no MULP (movimento de urbanização e legalização do Pantanal).

Durante o curso de ciências sociais, se apaixonou pela antropologia e o debate que ela fazia sobre a questão de alteridade e a produção de diferenças. Atravessou o curso dividido entre ciências e antropologia.

Em 2010 entrou no mestrado em da Unifesp para estudar a relação entre mídia, televisão e religião. Depois, em 2013, fez doutorado na USP sobre formas discursivas religiosas no debate público. Impactado pelo entendimento da gestão emocional do sofrimento promovido pelos programas religiosos, fez também formação clínica em psicanálise.

Em dezembro de 2019 foi aprovado em concurso público para o campus da IFAL (Instituto Federal de Alagoas) na cidade de Santana do Ipanema, onde mora desde janeiro de 2020. É professor de sociologia e se dedica a pesquisar, nos campos da antropologia e da sociologia, temas referentes à identidade histórica regional, além de ter um interesse profundo no feminismo negro.

No dia 17 de junho a gente bateu um papo ajustar entendimentos de povo de acordo com a perspectiva da sociologia e da antropologia.


A partir da descolonização da África e da Ásia, principalmente no pós-guerra, com uma intensidade muito maior nos anos 1970 e uma consolidação forte nos anos 1980, os intelectuais saem das colônias e vão estudar no centro da Europa e nos Estados Unidos que vão questionar a constituição de que os povos são essenciais e trans-históricos. E se começa as identidades a partir do contato.

Claude Lévi-Strauss afirmava que as diferenças são mais produzidas pelas reações, pelos contatos entre os diversos agrupamentos de povos, do que pela sua história essencial. Então quando a gente vai pensar a formação de povos, a gente tem que problematizar sempre a relação dos contatos.

Claude Lévi-Strauss

Conhecer um grupo étnico significa um trabalho de imersão, de ouvir as suas descrições e como eles se veem no mundo, além de seus significados, símbolos e comportamentos, e estes significados ele está sempre posto em relação a outro grupo étnico, a outra cultura, que também tem suas caracterizações, e a gente consegue relacionar estes povos a partir de suas fronteiras, do contato entre eles.

A partir dos anos 1990, a ideia de que cada povo tem a sua cultura cai por terra. Há um conceito de identidade descentrada. Cada um de nós é portador de diversas identidades, e a depender do contato que se estabelece com outras pessoas, a gente maneja uma identidade diversa e transitória, que podem, inclusive ser contraditórias entre si.

Somos um mosaico de identidades que se organiza de maneira incongruente e inconsistente.

Então, o contexto vai oferecer uma forma da pessoa se inserir no mundo, tanto pela maneira como as outras pessoas a enxergam, como também como ela se reconhece naquele meio. A fluidez da identidade faz com que inclusive se use símbolos com os quais não nos relacionamos, mas que fazem parte da visão que os outros têm de um grupo onde devo estar inserido. Por exemplo, alguém pode até não gostar de futebol, mas ao ficar seis meses fora do país, é provável que use a camiseta da seleção brasileira.

Todas as culturas, incluindo a dos povos indígenas, estão em constante transformação. Essa visão de que o outro é um estático é baseada numa visão eurocêntrica e preconceituosa.

Stuart Hall é uma voz decolonialista importante na desmistificação desta ideia. Jamaicano radicado na Inglaterra, ele argumenta que, apesar da dominação extrativista e da violência, culturalmente houve uma troca. A batata é inca; o chá das 5 é indiano. São elementos culturais que estão enraizados no jeito de ser inglês, mas que foram importados de outros povos, de outros locais. A influência cultural é mão dupla.

Stuart Hall

Também segundo Lévi-Strauss, as culturas, se tivessem local fixo, estariam exclusivamente dentro de nossas cabeças. Por isso é necessário ouvir como as pessoas verbalizam sua identidade num contexto de mutação constante.

Mas essa descrição de mentalidades depende de cada pessoa individualmente, havendo lógicas de mentalidades muito diferentes. E que conflitam, no pluralismo da realidade brasileira, com o modelo europeu. A questão religiosa, por exemplo, é tratada de maneira apartada das questões socioeconômicas, enquanto, para os povos indígenas, são esferas indissociáveis, sem ter um aspecto de religião organizada, conceito inexistente para eles. Mas entender a complexidade de diferentes povos significa não apenas perguntar, pesquisar e obter respostas. É necessário conviver, observar comportamentos, avaliar aspectos estéticos e outras comunicações não-verbais.

É muito simplista dizer que a formação de um povo depende da como ele se representa e é representado. Essa questão possui uma história dos contatos. O Brasil possui uma história intercultural que é mediada pelo processo colonial. Quando vamos discutir a história, estamos num terreno político.  A história é contada pela óptica dos vencedores, que promovem o apagamento dos perdedores. Muitas lideranças e revoltas da nossa história não foram escritas.

Assim, apesar de já termos saído do período colonial como estrutura de poder federativo, as relações sociais referentes ainda perduram. Temos uma elite que se pensa muito mais alinhada aos interesses da Europa e dos EUA, do que interessada em promover uma política de inclusão local.

José de Alencar

De uma certa maneira, o Brasil foi muito eficiente em produzir um modelo histórico que ao mesmo tempo afirma a mestiçagem, e é importante buscar a literatura como chave para entender este processo, como é o caso de José de Alencar, ao criar um modelo de comportamento e existência de outros seres —devidamente designados abaixo do homem branco ideal—, mata a identidade desses povos.

A história é um processo político de disputa de narrativas.

E se adota uma narrativa hegemônico que parte do espelhamento das elites que controlam o poder. Cria-se uma história oficial, que conduz a um racismo institucional, praticado e imposto pelo estado.

Quando se resgata a história apagada, dá-se a possibilidade que esta gente marginalizada recupere a narrativa de sua própria história. E a partir daí, produzir uma identificação que seja mais positiva e menos pejorativa, que não esteja tão suscetível ao caminho modelador e preconceituosa da narrativa vitoriosa.

Quando a gente pensa na definição de povo brasileiro é que essa identidade foi inventada, produzida pelo estado e pela literatura. Mas não é porque uma identidade é inventada que ela deixa de ser real ou seja falsa. A partir do momento em que ela produz mentalidades, ela opera na realidade. Então, uma fala hegemônica de um conceito ideal e único de povo, ele afeta muita gente que pensa de maneira similar. Apesar de não existir de fato, ele ganha contornos de realidade.

O processo de formação dessa identidade hegemônica ocorre ao se promover uma identidade local e elevá-la à categoria nacional e tento subordinar as demais. Quando a gente pensa no povo brasileiro sob a premissa da democracia racial e da mestiçagem, a gente tem um elemento de subordinação ao branco. Então, quando eu estou falando povo brasileiro, a partir da história do Brasil e do colonialismo que o Brasil passou, de que há, sim, uma hierarquia. Então, ao unificar sob um só povo, há uma inferiorização de toda uma diversidade étnica.

Mas na prática, não se tem uma identidade essencial. O Brasil é diverso e plural.


Entrevista publicada com exclusividade na Papo de Galo_ revista #3.

Papo de Galo, Papo de Galo_ revista, Papo de Galo revista, Gabriel Galo, povo brasileiro, formação de povos, viva o povo brasileiro, povo, anntropologia
Capa da terceira edição da Papo de Galo_ revista.

Assine nossa newsletter!

Conteúdo exclusivo e 100% autoral, direto no seu email.


Antes de você sair…. Tudo o que você lê, ouve e assiste aqui no Papo de Galo é essencialmente grátis. Inclusive o que escreve em outros lugares vêm pra cá, sem paywall. Mas vem muito mais pela frente! Os planos para criar cada vez mais conteúdo exclusivo e 100% autoral são muitos: a Papo de Galo_ revista é só o primeiro passo. Vem por aí podcasts, vídeos, séries… não há limites para o que pode ser feito! Mas para isso eu preciso muito de sua ajuda.

Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a nossa newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade. Ah! E meus livros estão na Amazon, esperando seu Kindle pra ser baixado.

Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.


Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.