“Liga o rádio. A Fonte Nova está desmoronando”.
O telefone tocou quando a noite tinha caído naquele 25 de novembro de 2007. Na linha estava meu pai. Havia pavor em sua voz, assim como perplexidade e muito desgosto. Caía, de uma altura de até 15 metros, pelos corpos dos torcedores sugados pelo vão na arquibancada podre, o maior monumento do futebol baiano.
Depois de dois anos de sofrimento no calabouço do futebol nacional, o tricolor baiano, o bicampeão brasileiro, erguia-se das sombras e dava um “até nunca mais” à Série C. Mais de 60 mil apaixonados tricolores se espremiam nas arquibancadas do maior palco do Nordeste para celebrar aquele Bahia 1×0 Vila Nova.
A significação histórica não poderia ser mais representativa. Na materialização da grande confluência energética daqueles que se abraçavam aproveitando ao máximo o que era ser Bahia, o balde de água fria. Anti-clímax em sua essência. A comemoração virou preocupação. E a morte exibiu seu mau hálito inconfundível, através do buraco negro do descaso.
A velha Fonte foi mais uma das instituições sagradas baianas a ser condenada, fruto do descaso e do abandono. Fez companhia ao Teatro Castro Alves e sua Concha Acústica, aos casarões do Comércio, ao Pelourinho, aos planos inclinados, às igrejas e suas eternas reformas, ao Centro de Convenções e a mais tantos outros marcos, largados ao tempo e ao relento.
A Bahia vive fora da ordem: aqui tudo parece que é ruína.
A desfaçatez do uso político do acidente criminoso alcançou patamares faraônicos. A velha Fonte foi interditada, selada e lacrada por tempo indeterminado. Sinal dos tempos, a reforma necessária de alguns poucos milhões, exigida por apelos em extensos laudos técnicos – negada para dar lugar a uma inútil pintura de fachada por meio da caneta de um dos maiores ídolos da história do Bahia, então presidente da Sudesb – virou implosão e uma conta de bilhões de reais que engordou os cofres de construtoras e incorporadoras, com o benefício do lucro garantido pelo Estado, tudo em nome da Copa do Mundo. Morreu a velha Fonte em construção e em significado. Nasceu, assim, a Arena, com nenhuma vontade de olhar para trás. Negamo-nos a aprender com nossos erros.
Países homenageiam seus soldados com túmulos do soldado desconhecido. Estes túmulos representam os inúmeros soldados rasos, heróis sem voz e sem patente, que dão o sangue e a vida na linha de frente. Nossos sete heróis de 25 de novembro de 2007 são conhecidos, têm nome e sobrenome. Ouvimos, no entanto, apenas o silêncio ensurdecedor do esquecimento.
Exaltemos o torcedor comum, o povo sofrido da nossa Bahia: Anísio, Djalma, Jadson, Joselito, Márcia, Midiã e Milena. Jovens entre 24 e 31 anos de idade deveriam ter placas e homenagens na nova Arena. Devemos gritar e exigir a certeza de que estes sete baianos, gente como eu e você, não se foram em vão, que serão para sempre lembrados. Afinal, quem esquece a história está fadada a repeti-la.
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Artigo publicado em 27 de novembro de 2017 na página 2 do inoxidável Correio da Bahia. Link aqui.
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