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Karnal e o ressentimento

Karnal e o ressentimento

Leandro Karnal é personagem principal de muito assunto que circula pela internet. Palestrante aclamado, professor universitário, acaba sendo o epicentro de muita história estranha na internet. Numa foto com o juiz Sérgio Moro foi de ídolo a inimigo de muita gente; em seu perfil num jornalzão, o destaque foi dado ao fato de que dorme apenas 4 horas por noite. Ah, a manchete fácil…

Ultimamente tenho visto várias pessoas próximas a mim divulgando diferentes vídeos de um trecho de sua palestra. Vou me ater a este pedaço de sua oratória, porque a mensagem me chamou muito à atenção.

Parafraseando, Karnal diz que amigos de verdade você descobre no sucesso, que é muito fácil se solidarizar no câncer, por exemplo. Propõe – e entendo que foi apenas ferramenta de linguagem – que você reúna amigos e conte que a vida vai ótima e linda e nunca ganhou tanto dinheiro e pede para aguardar a reação das pessoas. Segundo eles, apenas amigos de verdade ficam genuinamente felizes com seu sucesso.

Fui acometido instantaneamente por uma sensação de incômodo.
Veja minha mão levantada, professor, porque eu tenho uma montanha de perguntas.

A primeira: AHN? Pode substituir também para: OI? Não esqueça da cara de “tá maluco?” acompanhando.

O mundo dos palestrantes de autoajuda oferece pouco, quando nenhum, conteúdo. Mensagenzinhas motivacionais bonitinhas, encontrando a mente de tantos que querem a confirmação de que vai ficar tudo bem e que existe os 7 passos para qualquer coisa. Há um exército de gente perdida querendo alento para uma vida mais ou menos, buscando a fórmula para o tal “sucesso”. Num universo tão restrito e finito do que falar, é compreensível que os palestrantes busquem coisas novas que os diferenciem. Aí é que são jogadas às favas qualquer aspecto lógico ou prático, lança-se mão de algo absurdo, e alguns vão tomar como verdade “aquilo que ninguém vê”.

Uma questão importante: no mais das vezes, aquilo que ninguém vê não existe.

Karnal resolveu ignorar uma montanha de casos que acontecem com todo mundo. Músicas já foram escritas sobre as pessoas se sentindo abandonadas quando estavam na pior, e quando dão a volta por cima, como milagre, os amigos “voltam”. Gente rica sofrendo para encontrar relações significativas, porque todos querem estar próximos do seu dinheiro. Doentes esquecidos, parentes relegados pela família. Não, Karnal, não: é quando a gente está fodido que os sem caráter se afastam.

Aliás, o efeito é o inverso quando há materialização financeira: os falsos amigos, os sem caráter, seguem o cheiro do dinheiro. Viram seus melhores amigos.

O que é pior dentro da fala detalhando a cena dantesca proposta pelo historiador é uma pessoa se (in) dignificando a chamar amigos e bradar como é bom o seu mundo. Aqui reside o auge do ressentimento, e estou seguro que inconsciente, do que ele propõe. Coloco-me no lugar de quem faz isso. O que eu veria se um amigo estivesse naquela situação seria um dos dois cenários: uma pequeneza gigantesca de quem ostenta (afinal, qual a necessidade para, em grupo, dizer que nunca ganhou tanto dinheiro a não ser receber tapinhas nas costas e inveja dos mais próximos?); ou então uma “pegadinha”, como proposto por ele. Em AMBOS os casos, eu me afastaria daquele dito amigo.

Sabe por quê?

Porque amizades são compostas por espontaneidade. Por momentos de guarda baixa, aproveitando a companhia agradável de alguém que quero que fique próximo. Não por cenários montados, cheios de ressentimento e dúvida.

Seria como se ele falasse assim: “se você tem dúvida de que algum amigo seu é racista, pratique um ato racista na frente dele e observe sua reação.”

Nas entrelinhas, faça você um ato abominável e verá a reação dos outros àquela aberração. Esquece de mencionar: neste instante, a aberração é você.

Que linda história, não?

A falácia reside em não simplesmente dizer “afaste-se”. Falsos amigos, normalmente, dão milhares de deixas de que assim são. É identificável. Está, na esmagadora maioria dos casos, estampada em cada pequeno gesto.

Mas isto não vende palestra. Já deve ter gente falando.

Num mercado que vende ressentimento como argumento – se você duvida, passeie pela música sertaneja, pelo arrocha, e você verá o tema recorrentemente cantado em verso e prosa. É o tema da vez – a palestra de Karnal cai como uma luva: é a mentira ressentida travestida de “filosofia”, assim, com aspas, editor. Alimenta a alma suja de quem assiste, que pode olhar para dentro e imaginar-se fazendo exatamente aquilo, desmascarando alguns e gritando “arrá!”, dedo apontado na fuça, “sabia!”, ou ir para a rede social se “gabar” de ter descoberto “amigos” assim.

Se você precisa se ver criando pegadinhas para desmascarar seus amigos, aprenda uma coisa: sua vida está errada. Mais profundamente, VOCÊ está errado. Procure um psicólogo, um tratamento; meditação, yôga, o que quer que te recoloque nos trilhos. Vai te fazer bem.

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