A indicação de Lula candidato do PT à Presidência da República é motivo de polêmica desde que foi confirmada. Com ela, veio Haddad como seu vice, e Manuela D’Ávila como a propagada vice do vice. (Um viva ao novo conceito de “chapa criativa”!) O que inicialmente pode causar estranheza é, na verdade, uma estratégia desenhada para possibilitar a transferência das intenções de votos de Lula – líder disparado nas pesquisas – para Haddad, que não decola.
É fato que o partido sabe que a candidatura de Lula será impugnada. A aposta, portanto, é conseguir arrastar a decisão do TSE sobre a validade da candidatura até o prazo limite para alteração da chapa, em 17 de setembro. Até lá, terão sido transcorridos 18 dias de horário eleitoral gratuito, martelando na cabeça do eleitor que Lula é Haddad e Haddad é Lula.
Como réplica, algumas alternativas estão sendo estudadas para evitar a aparição de Lula na TV. O caso será julgado no TSE, mas a determinação dentro da lei não é objetiva. Neste caso, há uma “sinuca de bico” complicada: negar exposição ao petista fundamentada em elementos interpretativos amplos demais colocará mais gasolina na chama da militância. Reforça o argumento de perseguição injusta e fortalece o candidato – ou seu indicado.
À liderança de Lula na corrida ao Planalto, por si, cabe diversas interpretações e vale pesquisa mais aprofundada para entender o perfil e motivações do eleitor. Em especial, aqueles que migram para concorrentes do petista e aqueles que repousam em brancos, nulos ou ‘não sei’ quando não veem o nome de Lula candidato como opção.
Do outro lado do espectro, dos não partidários ou simpatizantes, percebe-se um incômodo com o simples fato de ele ter sido lançado candidato. Pululam indignações com a ‘chacota‘ do processo democrático brasileiro. De que ele se lançar candidato é uma afronta aos avanços civilizatórios. (Afinal, trata-se de um presidiário candidato, em que pese a bandeira da pretensa injustiça que valida, ou não, o adjetivo. Atenhamo-nos, pois, ao que existe de concreto.)
Nos últimos anos nos deparamos com diversos questionamentos com relação ao conflito do que é legal mas não é moral. Um exemplo é o auxílio-moradia utilizado por diversos níveis do setor público, mesmo quando não necessário. Esta conta continua para diversas benesses que recebem políticos, com tantos auxílios e verbas quantos são capazes de criar. Está na lei, e nos cansamos de perguntar: é moral?
É nas margens da lei, na zona cinzenta em que não se consegue definir claramente se é permitido ou não, que o balanço legal x moral é difuso. Este limbo do “pode-mas-não-deve” confunde e oscila com o desenrolar dos fatos. As linhas de fronteiras são esticadas de acordo com a jurisprudência totalmente nova estabelecida. É impossível, por óbvio, prever todos os cenários.
Assim que a participação de Lula candidato no pleito, na linha evolutiva que se acentuou desde o impeachment de Dilma Rousseff, é, senão, fato novo. E, na frieza da lei, permitido.
Mas, é moral?
O questionamento dos que já não votam em Lula acende uma luz amarela. E se desdobra em duas frentes. Na primeira, certamente, artigos e parágrafos serão acrescentados às regras do TSE, precavendo-se de futuros acontecimentos semelhantes. Na segunda, vale a pergunta com relação aos intentos do próprio PT. No limite, apesar de permitido por lei – e uma estratégia, na minha visão, excelente de migração de votos – o plano petista opera no purgatório do pode-mas-não-deve. Para quem olha de fora, não sem razão, pode-se estabelecer que houve “desvio de finalidade” com a indicação de Lula candidato. Entende-se de se trata de um ardil, de uma cortina de fumaça, que se aproveita de brechas da lei para perpetrar seus mirabolantes quereres.
Avesso aos apelos gerais, o PT trabalha voltado para o público interno. Almeja migrar seus próprios votantes de Lula para Haddad. O discurso é direcionado aos seus militantes e pode ser suficiente para levar o paulista ao segundo turno.
Da porta para fora, no entanto, cresce o gosto amargo da percepção de estar sendo iludido. Com um ambiente de feroz rejeição à fala distorcida, o engano notado pode pesar negativamente de maneira significativa. O que estimula e corrobora a ideia de que a moralidade do partido é conversa fiada. Afinal, ganha eco na própria estratégia – evidente, mas que nunca será admitida – do próprio PT.
Por fim, a régua moral é algo individual. Argumentarão todos, prós e contras, embebidos de suas certezas. Na métrica que a mim cabe, estão certos os petistas no âmbito legal (sim, ele pode ser inscrito candidato) e os adversários (sim, trata-se de um desvio de finalidade). Mas eu prefiro o jogo limpo. Como eleitor, quero ver as cartas na mesa. E este entrave se torna, consequentemente, imoral.