Lula e Bolsonaro são mais próximos do que aparentam. Mais do que duas faces da mesma moeda, são a mesma face de uma moeda cujo outro lado, o da consciência política está escanteada pela desistência da civilidade.
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A pesquisa Ibope que saiu no fim de semana apontou Lula e Bolsonaro como mais fortes candidatos para o segundo turno do ano que vem. Lula, caso consiga participar como candidato, consegue concentrar os votos da esquerda. Somadas as intenções residuais de Marina e Ciro, o ex-Presidente se coloca como favorito a reassumir o executivo federal. Já Bolsonaro parece ter consolidado sua base, variando de 13% a 18% na pesquisa, em cenários com e sem Lula. Abaixo, vêm aqueles com intenções orbitando mais ou menos na mesma esfera: Marina, Alckmin, Dória, Ciro e a surpresa Luciano Huck. Álvaro Dias, Ronaldo Caiado, Chico Alencar e Henrique Meirelles se encontram num patamar inferior, assim como o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, candidato substituto no impedimento de Lula, que não consegue absorver votos do patriarca do PT.
O que se deve observar, a tanto tempo das eleições, mais do que os votos hoje atribuídos é o índice de rejeição. O anterior vale para primeiro turno; o último decidirá o vencedor no segundo turno.
Quase todos os candidatos partem de índices de rejeição acima de 40%. O alto número reflete um desgosto nacional e abrangente com a política. A média de rejeição é próxima ao índice daqueles que não acreditam mais na política brasileira. Estes fatores estão umbilicalmente interligados, e favorece o surgimento de figuras como Lula e Bolsonaro na frente.
Um dos fatores surpresa, e que não deveria ser tão surpreendente assim, é uma expressiva e crescente migração de votos de Lula para Bolsonaro e vice-versa. Este comportamento foi identificado na pesquisa Datafolha divulgada em 22 de outubro de 2017. As plataformas de governo e de ideias são, em sua maioria, diametralmente opostas. O que leva, então, a este fenômeno?
Primeiro é necessário refletirmos que é uma falácia atribuir a propostas de governo a maior influência na decisão de voto. Este critério é suplantado por temas teoricamente menores, como saber falar bem na televisão. É assim que vota a maior parte da população.
No rastro deste cenário, surge outra reflexão, relacionada ao desdém pelas figuras que ocupam Brasília. Uma vez semeada e proliferada a inviabilidade de resolução do problema político no Brasil, a alternativa é entregar as rédeas deste cavalo selvagem a uma figura de autoridade. Alguém que “resolva” e que “faça o que preciso ser feito”, o que quer que isso seja. Terceiriza-se a responsabilidade, “alguém precisa fazer alguma coisa”, “alguém precisa dar uma lição nestes corruptos”.
Reside na imagem de autoridade a similaridade entre Lula e Bolsonaro. Ambos personificam o poder, em especial, aquele pela força. Quando as alternativas pelo comedimento se esgotam, há de se apelar para medidas drásticas. Assim são Lula e Bolsonaro: medidas drásticas. São exemplos de quem se sabe poder extrair pouco, acompanhados por esquemas de corrupção, intolerância e ignorância. Mas são o choque de realidade, “aquilo de que Brasília precisa”. São salvadores, vingadores, justiceiros em terno e escárnio.
São mais próximos do que aparentam, porque quem analisa tende a racionalizar a equação, quando, na verdade, o voto para o executivo, em qualquer esfera, é decidido pelo estômago. Mais do que duas faces da mesma moeda, Lula e Bolsonaro são a mesma face de uma moeda cujo outro lado, o da consciência política e renovação de quadros, está escanteado pela desistência da civilidade.
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Pesquisa IBOPE realizada entre 18 e 22 de outubro de 2017 em todos os estados brasileiros. Margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.