Fazia tempo que Octávio tinha saído da Bahia rumo a São Paulo. Desaprendeu um monte de coisa, como como estabelecer relações meramente pessoais. A Bahia iniciou essa onda de empresa horizontal. Na Boa Terra hierarquia não tem vez. Nem tente se fazer ouvido por coisas menores, como ser o chefe ou pagar por um serviço. Só se faz qualquer coisa por lá se nego vai com a sua cara.
Ele chegou cheio de terno, gravata, num sol de 40 graus em Salvador. Povo passava e via o danado debaixo daquele pano todo e certamente pensava “oxe, que abestalhado!” A vestimenta já jogava contra, devia estar claro, mas havia ainda a necessidade de um período de adaptação. Ele tinha recém voltado, estava tentando vender seus serviços a empresas baianas. Na pauliceia era um tal de distribuir cursos e diplomas para respostas afirmativas e às vezes um “óóóóó…” extasiado. Inebriava-se com o ego inflado de tanto estudo dando certo.
Na Bahia, rapaz, o reggae é outro.
Chegou, ele, no horário, suando de vender pizzas por delivery debaixo do braço.
– Tenho uma reunião com o senhor Deusdato, agora às 15 horas.
(Claro, o nome do potencial cliente não era Deusdato, sigamos com este nome apenas para não atrapalhar a narrativa.)
E quem diabos chega na hora pruma reunião em plena sexta-feira? A secretária meio rindo com a situação sudorípara de Octávio, meio retada por causa dessa maluquice de cumprir horário, “15 horas, mas quá!” saiu-se com a verdade:
– Ele saiu um minutinho, desceu para fumar.
Com o passar da hora, e nada do Deusdato voltar, lá se foi nosso herói encontrar com o diretor da empresa no fumódromo. Ao chegar, viu o quanto estava fora do padrão. Um peixe fora d’água. O diretor vestia bermuda, camisa de manga curta aberta, cordão no pescoço. Fosse nos anos 80, ele já tomava seu jogo do bicho na hora.
Mesmo Octávio já tendo tirado a gravata, a recepção não foi das mais amistosas.
Seguiram para a sala para que pudessem conversar. Como paulista convertido, começou a falar de credenciais, e faculdades, e cursos, e pós, e onde dava aula, e mais tudo ao que estava acostumado. Citou FGV, ESPM, Harvard.
Nada. A reação era cada vez pior.
– Venha cá, você não estudou em nenhum lugar famoso, não?
Faltava uma Unijorge ali, uma UCSal, algo mais regional, algo com baiana de acarajé na porta, talvez.
A frustração tomava conta de Octávio. Ele sabia bem como conduzir uma reunião e lia com maestria a resposta a seus estímulos. Estava tudo indo para o buraco. Não conseguia de maneira nenhuma trazer Deusdato para o seu lado. Continuou ele, já ressentido pelo tempo perdido.
– Esta abordagem aqui foi inspirada por Michael Por…
– Quem? Interrompeu Deusdato, surpreso.
– Michael…
Nem conseguiu terminar de falar, foi interrompido uma vez mais.
– Você tá brincando? Você conhece ele?
– Claro, estudei bastante suas técnicas, e…
– Rapaz, eu não acredito que você conhece Maiquinho da Ribeira!
Ria muito e batia na mesa, genuinamente feliz.
– Faz tempo que você esteve com ele? Octávio, né? Rapaz, assim que a gente terminar essa reunião vou falar pra ele que você esteve aqui. Quem sabe a gente não marca de ir lá nesse fim de semana?
Octávio confirmou tudo, porque nada mais poderia fazer.
Provavelmente não era o mesmo Michael, Maiquinho para os íntimos. Mas vai que eles acertam a visita e ele encontra Michael Porter comendo moqueca numa laje na Ribeira?
Tudo é possível.
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