A Adidas e a Nike possuem uma rivalidade na supremacia mundial, tanto em clubes quanto em seleções e em jogadores. Na Adidas, Messi puxa a fila de estrelas patrocinadas. Na Nike, o senhor das vendas é Cristiano Ronaldo.
Os dois se revezam em premiações de melhores do mundo, empatados em cinco. Com quatro premiações nos últimos cinco anos e favorito neste 2018, Ronaldo deve abrir vantagem. Indicação de que o português atinge a maturidade no auge de sua forma física e técnica, enquanto o argentino se vê na descendente, abaixo do Olimpo habitual, mas ainda muitos níveis acima do humanos.
Criou-se, por compartilharem as loas de artilharia na liga espanhola, um embate Messi x Cristiano Ronaldo. Talvez à revelia de ambos, que parecem não ligar muito para isso e trabalham, trabalham, trabalham. Até as danadas da cabras da Adidas de Messi à beira dos gramados russos. Goat é cabra, em inglês. O acrônimo GOAT significa “Greatest of all time”, ou em português, o melhor de todos os tempos.
Ronaldo, uma máquina de jogar futebol azeitada para vencer, utilizou a propaganda como combustível para se motivar. Fez gol, simulou a barbicha da cabra. Fez três gols, igualando em um jogo sua marca em suas três outras Copas somadas. Repassou um peso enorme para o lado argentino. Uma espécie de “faz melhor aí, cabrón.”
Messi leva consigo o fardo de ser o ídolo máximo de um país acostumados a endeusar, literalmente, seus grandes. No que se atribui a ele a responsabilidade exclusiva do título. É o líder do elenco, referência e capitão. Ao mesmo tempo, vive com o peito dilacerado por não ter um título FIFA pela Argentina, virgem de taças há inacreditáveis 25 anos. Não precisava de mais um container carregado pela própria patrocinadora, sobreposto a outro que o craque português tratou de despachar.
Se de fato ou se elucubração, Messi sentiu o golpe. Entrou em campo contra a organizada e semi-profissional Islândia – que já tinha maravilhado a Europa em 2016 – com os ombros arcados, um tico caídos. Parecia prematuramente cansado.
Movimentava-se pelo campo sem a leveza extraterrena de seu futebol. Errava dribles, passes. Cercado por até três atentos islandeses, via-se enjaulado. Ainda que uma furtiva bola inaugurasse o placar para os hermanos, a mal amanhada defesa dava sinais de que confiança não havia.
A Argentina de Messi é uma ilha. Messi é uma ilha, cercado de comuns por todos os lados.
Ainda assim, os deuses do futebol reservaram o momento da retomada da alegria de Messi. Tal qual a falta de Ronaldo. O pênalti que colocaria a Argentina na frente, garantiria a vitória na estreia. A vez, a sua vez. Mundo parado, focado unicamente nele. Sua feição, no entanto, não era de determinação. Era de insegurança, com pitadas de desinteresse.
Correu para a bola travado. Bateu fraco, a meia altura, mais pro centro do gol do que pro canto, acertando todos os itens que qualificam o 100% de um pênalti mal batido. Consagrou o goleiro-cineasta islandês, que defendeu sem dificuldade o tiro do astro argentino. Reclamou depois da retranca islandesa.
Messi parece dar sinais de ser apenas um ser humano jogando bola. Um Hércules da modernidade, açoitado pelos trabalhos não cumpridos de 2014, 2015 e 2016. A aura de divindade vai se esvaindo pelas manchas de sangue das batalhas não vencidas.
Não devemos, no entanto, duvidar da força de Messi. De seu poder de reação. Ele, no entanto, parece ter encontrado o seu ponto fraco. A sua kryptonita, o seu calcanhar de Aquiles, o seu antídoto num tiro que saiu pela culatra. Retirem, por favor, as cabras do campo. Deixem Messi sorrir, voltar a ser o fora de série que baila sem ser lembrado constantemente de um legado que ainda está em construção.
*Gabriel Galo é escritor
Crônica publicada no site do Correio da Bahia em 16 de junho de 2018. Link aqui.