O ar da Casa Mathilde do Centro me embriaga. Quando ultrapasso aquela porta de vidro para ser tomado pelo aroma de doces de ovos diversos, tartes, biscoitos, café, tantos ais… Sinto-me no paraíso. Vez ou outra há uma banda tocando logo na esquina com a São João, ao lado das casinhas dos engraxates, antes da estátua de Zumbi dos Palmares, logo defronte do imponente Edifício Martinelli. O som invade o belo prédio sem pedir licença, parece ter música ao vivo.
Certa feita sentei-me esperando um almoço. Como muito cedo havia chegado, parei para um café e para o melhor pastel de nata deste mundo – porque o pastel de nata da Pastelaria de Belém, em Lisboa, não é coisa terrena; é contato com o divino. Alguns acepipes depois, ganhei um pastel de nata por conta da casa. Pára o mundo que eu zerei a vida.
Não foi neste dia, mas foi por ali, que estava sentado nas mesas, preocupando-me de nada e vendo o tempo passar, quando 3 pessoas chegaram. Era um senhor e duas senhoras, todos já com certa idade, talvez na terceira. Carregavam muitas sacolas de plástico, o que imagino ter sido o resultado de uma produtiva passagem pela rua 25 de Março, tradicional região de comércio popular descendo a ladeira de onde estávamos, e arredores. Como eram 3, uma das senhoras perguntou se poderia sentar na mesa comigo, colada na outra de 2 lugares onde somente havia lugar. Aceitei com um sorriso.
Eles começaram a redistribuir o conteúdo das sacolas. Aparentemente, havia mais gente na companhia que ainda não tinha se juntado a eles. Entraram numa gentil reorganização de embrulhos, daqui pra lá, de lá pra cá, “esse aqui é de Ester, você guarda para ela?”, e assim continuaram por alguns poucos minutos até que tudo estivesse nos conformes.
A esta altura, o mundo acontecia ali com eles.
Foi então que uma das senhoras retira um embrulho envolto em papel de presente dourado, com um pequeno laço de fita amarelo colado no canto superior esquerdo sobre uma etiqueta da Livraria Saraiva.
“Este aqui é seu!”, esticou ela as mãos oferecendo o que era seguramente um livro.
“Já?”, respondeu ele, um pouco surpreso.
“Já estamos aqui mesmo!”, ela retrucou, sem se dar conta de que havia ainda gente por chegar.
Eu fiquei encafifado. Seria um amigo secreto sem as cerimônias de “adivinha quem é?” Ou seriam apenas amigos compartilhando histórias porque sim?
Ele, então, busca dois outros pacotes, outros livros, a outra senhora saca o seu, e ali se trocam afagos e obrigados. A guardiã das coisas de Ester também fica responsável pelo livro que a ela pertenceria dali a pouco.
Estranhamente, no entanto, nenhum deles – enfatizo, NENHUM – abriu o seu presente. Nenhuma curiosidade. Nenhuma menção a pedir dedicatória. Nenhuma possibilidade de continuidade com um “nossa, adoro este autor”, ou “esta autora é minha favorita”, ou um “nossa, queria tanto!” Não. Nada. Guardaram de volta os livros juntos com as quinquilharias da 25.
Fui sendo tomado pela curiosidade e pela expectativa somadas de todos os 3. Se neles não se manifestavam, ora, em mim estavam prestes a explodir. Por dentro, eu queria gritar: DEIXA EU VER QUE LIVROS SÃO!
Controlei meu ímpeto, segurei meu pranto.
Levantei-me, despedindo-me cordialmente. Desapontado e frustrado, sem nem mais um pastel de nata pedir.
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