Na alvorada de minha adultice – palavra que é uma quase simbiose fonética e espiritual com idiotice –, moleque pimpão refugiado na Pauliceia, a Avenida Paulista era sonho de consumo, desejo de uma vida, ideal de prosperidade. Época de inigualável encontro de esperança – catalisada em energia, em vontade, em ambição, em aceitação do porvir e do tudo posso – e de estupidez – disfarçada de certezas da maturidade, do carro do ano, do salário que pinga e garante o conforto, do apartamento financiado, dos ternos bem cortados e do desmantelo pelo desperdício do pico de nossa vitalidade.
Passava eu pelas suas pistas, seus prédios imponentes, sentia o chiado das FMs que tinham suas ondas interrompidas pelo céus arranhados por braços de concreto que os tocavam. Olhava a gente que ia e vinha com seu ar de importância particular. Admirava-me com aquele zumzumzum, com a fumaça dos carros, com o barulho incessante. Buscapé, abria a boca, caía-me o queixo, brilhavam-me os olhos e sentenciava: um dia hei de trabalhar aqui.
Somos todos, em retrospectiva, portadores de parcos sonhos.
Pois o destino auto desenhado se materializou. Veio em pacote fechado de maravilhas que o moleque pimpão tanto almejava. Ah, o regozijo de profecias realizadas! Não tinha dúvidas, minha vida era um sucesso.
De lá para cá, e lá se vão mais de dez anos desde meu último crachá de funcionário em suas vias, permaneceu apenas meu corpo físico. Todo o resto ou virou pó ou evoluiu – ou até, em alguns aspectos, eu tenha voltado 2 casas no jogo da vida, porque se pra frente é que se anda, não necessariamente significa que sempre avançamos. Heráclito, não sou o mesmo eu-de-antes, não é ela o mesmo rio.
No hoje, esta doce era de preparação para ver-me tolo daqui a algumas primaveras, minhas interações com a Avenida Paulista estão resumidas a eventos pontuais. São doses cavalares de café intercaladas com almoços, uma reunião ou outra, palestras e trombadas com gente querida. Elevo-me pelas escadas das estações do metrô indo ao encontro do zumbir da economia que pulsa. Perco-me nos labirintos da Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Pauso em cafés de ouvido ligado em radar para captar histórias. A relação se humanizou, por assim dizer, desamarrada dos grilhões dos compromissos e obrigações.
Não raro, despenco ao seu estar apenas para observar o vai-e-vem. É algo reconfortante ver que somos tão pequenos na multidão, mais um na balbúrdia e que mesmo que esteja eu empacado, a vida segue seu galope. A Paulista, em sua nova forma, é uma desatravancadora de caminhos.
Liberta inclusive o jovem inocente de antes. Pois quando o sol da manhã brilha de través nos vidros espelhados de seus edifícios e ilumina com candura cada uns com seus cada quais, revelando humanos, bichos e coisas navegando em suas artérias, fones, telas, pensamentos errantes, semblantes, feições, expressões, posturas, do me-leva ao ímpeto, preenchendo aquarela em milhões de cores, ressaltando, diante do cinza dominante, o verde que resiste bravamente às podas do cimento impermeável, trazendo consigo a amena brisa de uma manhã de inverno que toca o rosto com sua enfumaçada mão de veludo, é fácil perceber que havia um porquê na inocência do querer-se adulto de então. A Paulista é avenida de encantos mil, que não dorme, não para. Que multiplica eus em sua pujança e perspectivas. Que aceita tribos e, esquizofrênica, exclui e expõe hierarquias ao mesmo tempo.
É sereia de canto apaixonante. Atento aos conselhos das fábulas, cuido-me, porque o mesmo canto que atrai de primeira, mata e escraviza na página dois. Mantemos, assim, nosso relacionamento casual, nossa amizade colorida. “Oi, sumida.” No que ela, sempre disponível, me receberá de sorriso aberto e um abraço de realidade, falando aquilo que apenas a mim caberia externar. “Estava com saudades.”
Senhora de si, andará independente de mim, enquanto seguirei carregando-a por onde for.