Como sinais e detalhes dão mostras de que o vento está mudando de direção e que muito ainda está por vir.
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No final de semana dos dias 23 e 24 de janeiro, cidades brasileiras foram movimentadas por motores de automóveis, bandeiras e buzinas pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Na terça-feira, o portal Metrópoles publicou matéria falando dos gastos alimentícios do Executivo e a internet voltou a ser o que vinha sendo desde 2013: a principal palmatória das ações governamentais. O leite condensado, item da lista que virou hit, acabou virando o símbolo do momento – o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) distribuiu latas do doce para repórteres ao registrar sua candidatura à Presidência da Câmara, só para citar um exemplo.
Isso tudo é coincidência? Custo a crer.
As manifestações do final de semana foram assumidas e organizadas por movimentos suprapartidários como o Acredito e o Vem Pra Rua – o VPR, inclusive, manteve sua carreata no domingo após descobrir que partidos de esquerda, como o PT e o PCdoB, estavam convocando para as manifestações de sábado. Parlamentares como o próprio Frota, Joice Hasselmann (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), que foram eleitos na esteira do radicalismo à direita que garantiu a ascensão de Bolsonaro, têm sido os mais aguerridos entre os críticos ao Governo. Frota e Hasselmann têm sido ativos em suas redes e até em iniciativas no Parlamento, como a CPI das Fake News, não é de hoje. Mas então, o que mudou?
O barulho chegou nas redes.
Como dizia o estrategista americano James Carville, “é a economia, estúpido!”. O ano de 2020 foi particularmente duro, não só para as classes mais pobres – que ironicamente são hoje a principal base de sustentação do bolsonarismo – mas principalmente para a chamada classe média, que representa a maior faixa da população. Comerciantes e profissionais liberais foram os primeiros abatidos pelas regras de isolamento social, e sofreram mais na pele do que industriais e o agronegócio, por exemplo – neles, os efeitos demoraram a chegar. Mas o dinheiro, que já estava difícil de circular nas cidades, sumiu. Quem tinha, segurou. Com o fechamento de lojas, consultórios, escritórios e escolas, a palavra de ordem não oficial foi o arrocho. Dados da União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, por exemplo, mostram que entre 30% e 50% das unidades em todo o país correm o risco de fechar.
Correndo por fora, o Governo, por sua vez, demonstra ser pouco confiável por conta de suas decisões atrapalhadas não só na condução das medidas de combate à pandemia, mas no dia a dia da gestão, como um todo. A vacina, tão combatida pelo presidente, impôs sua presença apesar de toda campanha pelo uso de remédios como cloroquina e ivermectina à guisa de tratamento preventivo. No melhor estilo “ok, blz, até topo a cloroquina, mas me deixa vacinar também porque né? Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, onde o imunizante chegou, foi mais bem recebido do que rechaçado. Nessa brincadeira, o governador de São Paulo, João Dória, vestiu o blazer de líder político do momento, colocando-se, com sua fala mansa e estilo empresário paulistano, como a completa antítese do ocupante da cadeira de presidente da República.
Neste cenário nada favorável para Bolsonaro, o embarque de movimentos sociais organizados e suprapartidários como o Vem Pra Rua, o MBL e o Acredito nas hostes contrárias ao Governo são um sinal inequívoco de que ao menos parte do setor produtivo e econômico do país não está mais com disposição de entender – e compactuar – com o capitão. A matéria do Metrópoles mostra que as alas de contra-inteligência destes e de outros movimentos estão ativas e prontas para virar o Governo do avesso, atrás de pautas que possam criar buzz nas redes sociais, fazer barulho mesmo, gerar engajamento. Exatamente o que o Marketing Digital preconiza. Viralizar.
O interessante é que tal movimento muda o pêndulo da narrativa que vinha sendo adotada pela esquerda, na hora de criticar a gestão bolsonarista. Desde a eleição, em 2018, a pauta da oposição à esquerda manteve o mantra de ataques com base quase exclusivamente nos pontos importantes das pautas identitárias – gênero, orientação sexual, questões raciais. Denúncias ligadas ao dia a dia do Governo, como gastos de ministérios, do gabinete e das Forças Armadas, tiveram pouca adesão até mesmo entre os militantes partidários. Apareciam, aqui e ali, mas sem força nas redes e até mesmo sem a escolha de algum porta voz que, de fato, encampasse a intenção de fiscalizar e perturbar o capitão. Mesmo a questão da investigação da morte da vereadora Marielle Franco, com as coincidências entre os acusados e a família Bolsonaro sendo frisadas de forma aleatória pela imprensa, segue a lógica da fala somente para os que já consomem os conteúdos deste segmento. Ou seja, é o falar de si para si, sem furar a bolha e sem gerar engajamento para fora deste público.
A guinada das manifestações do final de semana, turbinadas pelo caos econômico e pela crise sanitária, aliada ao destempero do presidente ao mandar a imprensa alocar os leites condensados em local pouco ortodoxo, mostram que os próximos dias serão, no mínimo, animados. A eleição da Mesa Diretora, tanto na Câmara quanto no Senado, pode dar uma sensação de segurança no Executivo, já que as investigações que foram sinalizadas nos últimos dias dependem da boa vontade dos presidentes do Legislativo para prosperar. Resta saber se essa segurança vai se concretizar como Bolsonaro espera. E esperar o que ele irá fazer, caso a gente veja neste caso um plot twist digno de final de temporada de série. Observemos: já estou preparando minha pipoca. Com leite condensado.
Artigo de Fernanda Galvão – Fala, Galva! – para a Papo de Galo_ revista #10, de 29 de janeiro de 2021, páginas 68 a 70.
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