Quando Bélgica e Inglaterra entraram em campo na última rodada do Grupo G, conseguiram uma proeza inacreditável: trouxeram sentido a uma frase de certa ex-presidenta. Encheram a cancha de reserva, querendo perder para pegar lado mais fácil rumo à final. Sim, nem quem ganhou ou quem perdeu, ganhou ou perdeu. Todos perderam. Principalmente o mundo do futebol.
E já que a FIFA distribui prêmios de diversas qualidades às seleções durante a Copa do Mundo, conceda-se o prêmio Embuste Maior a estas desonradas Bélgica e Inglaterra. São seleções irmãs, veja como elas se completam.
A Inglaterra é mau vencedora e excelente perdedora. Quando bateu a Colômbia, saiu bufando e espumando contra os perdedores. Talvez tenha sido influência dos preconceituosos tabloides locais, vai saber. Acontece que ao ser eliminada pela Croácia, a elegância britânica ressurgiu. Admitiram a derrota, parabenizaram os adversários. Saber o discurso da derrota de cor é inerente a quem sempre perde.
Do outro lado, a Bélgica é boa vencedora e má perdedora. Eliminar o Brasil foi um marco na história dos vermelhos. Sobraram elogios à seleção canarinho e reverências ao futebol pentacampeão do mundo. Já na fase seguinte, o contrário deu o tom. A superior França virou alvo de comentários cheios de beicinho de criança que perdeu o brinquedo e precisa fazer birra.
Coube ao destino fazer justiça nesta mesma Copa do Mundo para que a lição fosse aprendida. Sádico, elevou as esperanças de ambas. Sacramentou a queda na mesma fase, a do quase. Como Ícaro, voaram perto demais do sol, tiveram suas asas queimadas, suas expectativas frustradas. Foram relegadas, golpe final, a disputarem justamente a partida que não importa. A partida que não aceita vencedores, disputada naquele descontente clima de fim de feira, quando a xepa prevalece, tudo é resto e sobras, e todo mundo só quer ir embora logo para casa.
Ah! Uma caneta da vida, um banho-de-cuia do futebol. O carma retribuído instantaneamente. “Aqui se faz, aqui se paga.” Sorrimos todos que perdemos lá atrás aquele sorriso malicioso, de canto de boca, de “tome, sacana”. Quem jogou para perder foi, no fim, contemplado com o dia em que não importa quem ganhar.
Na frieza dos números definitivos deste sábado, deu dos males o menor. O bom vencedor prevaleceu sobre o bom perdedor. Imagine o contrário, o tanto de choradeira que seria! Calcule o insuportável do mau vencedor bater o mau perdedor. Conheceríamos decerto o cúmulo do mimimi. Haja chupeta para tanto marmanjo-chorão! Ia ser uma troca de farpas estúpida, “eu sou o tal”, “não, sou eu”, “feio”, “bobo”, “meu IDH”, “Playstation”, “batata-frita”.
Eu acompanharia com a intenção única de satisfazer uma curiosidade mórbida de apostar quem seria o primeiro a sair gritando “Manhê!” Viria a matriarca já cansada daquela chiadeira sobre nada, afinal, e daí?, terceiro e quarto, noves fora, nada. “Já os dois pro cantinho do pensamento! Vão ficar quatro anos de castigo. E anda logo, porque se eu contar até três…”
* Gabriel Galo é escritor.
Crônica publicada no Correio da Bahia em 14 de julho de 2018. Link AQUI!