Desde quando sortearam as bolinhas indicando a formação dos grupos da Copa do Mundo, estava sacramentado. Seria este um dos melhores jogos da Copa. Já na primeira rodada, na largada, enquanto muitos ainda estariam se aquecendo. Um confronto fadado à glória, repleto de significados, entre os vizinhos ibéricos Portugal e Espanha, aqueles que um dia repartiram o mundo.
A rivalidade, que nos nossos livros de história aprendemos ter se acirrado no século XV com as grandes navegações, atingiu em cheio o coração das Américas. Tanto que com Tordesilhas estabeleceu-se a linha imaginária de um mapa ainda desconhecido em sua completude: daqui pra lá, fado; daqui pra cá, flamenco.
Pois que um confronto entre Portugal e Espanha carrega uma bagagem pesada, submergida no oceano Atlântico, mas que é trazida à tona instantaneamente. Em campo, o orgulho, a honra. Se perder faz parte do esporte, perder para um rival é devastador. E o duelo entre os últimos 3 campeões da Europa prometia motivação dobrada.
E assim, a linha divisória do gramado foi transformada numa Tordesilhas do século XXI. As armadas em 11 avançariam como naus prontas para conquistar o território adversário. Uma batalha naval em campo aberto, marinha em artilharia, em que cada torpedo deveria ser milimetricamente calculado para aniquilar as defesas do oponente.
De um lado, a Espanha trazia sua consagrada composição. Confiava em seu conjunto entrosado, que ultrapassaria a maré tormentosa ao ver seu comandante partir dias antes. Ainda assim, seus capitães, líderes provados e condecorados, segurariam no braço o desbalanço que bateu de través.
Do outro, Portugal virava-se a seu general, o maioral, rei do mundo: Cristiano Ronaldo. Seria ele o definidor da estratégia, o executor da ofensiva, o levantador da moral. A seus pés, trataria ele de fazer curvados os outros em sua reverência.
Em “O Ditador”, Chaplin eternizou uma história em que o líder de um governo autoritário – caricatura do nazismo – brincava com um globo. Uma representação do que pensava ele com relação ao resto: um brinquedo, algo com o qual poderia fazer o que bem entendesse. Ronaldo repete a cena, não com o viés sádico e sarcástico de lá, mas com a impetuosidade de quem domina e conquista e faz do globo o seu joguete. O mundo é não mais do que uma quinta de Cristiano Ronaldo.
No confronto entre todos-que-são-todos contra um-mais-a-rapa, os ataques se revezavam, num duelo franco, de peito aberto. A Espanha abriu 2 a 0, com o importado brasileiro Diego Costa. Ronaldo empatou, com uma contribuição inesperada de De Gea, arqueiro espanhol. Sem se fazer de rogada, a Espanha fez o terceiro em um petardo certeiro de Nacho.
O jogo se encaminhava para o fim. Mas quem tem Ronaldo não está abatido. Ainda sobrava uma arma secreta, descarregada numa cobrança de falta perfeita, sem chance nem piedade. Curvou-se lindamente na externa da barreira. Apontou para que todos pudessem ver e atestar: “eu estou aqui. O mundo é meu.”
O empate definitivo no movimentado 3 a 3 entre Portugal e Espanhol tratou de ser o melhor resultado possível para ambos. São grandes, são enormes. São irmãs, são equivalentes. São seleções que podem, sim, ser consideradas favoritas. Mas somente uma delas tem Cristiano Ronaldo. E isso vale ouro. Bolas e chuteiras de ouro em profusão.
* Gabriel Galo é escritor
Artigo publicado em 15 de junho de 2018 no site do Correio da Bahia. Link aqui.