Lendo agora
O mundo num vagão

O mundo num vagão

Uma mulher na minha frente tem a meia sobre a barra da calça jeans. Conheço bem dessa pressa de sair de casa que provoca o desleixo. Aviso-a e ela sorri agradecida e envergonhada.

De pé, um homem grande e gordo, de camiseta com fotos de índios americanos, bandana vermelha na cabeça, muitas pulseiras e braceletes nos pulsos, ouve um rock alto em seu fone de ouvido. O som vaza para quem tem ouvidos.

Sentada no banco à sua esquerda, uma senhorinha oriental um pouco careca, com meias pretas e chinelo de dedo, tira um cochilo.

No banco oposto atravessando o corredor, uma jovem tatuada, alargadores na orelha e cabelo rosa lê algo no seu telefone, compenetrada. No seu colo, uma mochila de pelúcia, um bicho qualquer que não pude identificar.

De pé, próximo a ela, um homem de barba muito longa, estilo hipster-cult-new-age e cabelo raspada, acompanhando uma grande bota coturno. Rio com o pensamento de que sua cabeça esteja de cabeça para baixo.

Encostada na porta uma senhora morena, já de meia idade, com roupas simples, saia, blusinha e rasteirinha, tudo em variações de vermelho, olha para as paredes do lado de fora, absorta.

Ao meu lado, um rapaz conversa no Whatsapp usando uma jaqueta de super-herói.

Uma senhora muito alta entra na partição. Tem dificuldades de caminhar sobre seus saltos de 7 centímetros. Faz cara de desconforto, talvez de dor. Muito alto que sou, a compreendo.

O gordo dança, remexe e balança, no máximo permitido para um ambiente contido.

Um senhor sentado do lado da senhorinha oriental que continua plácida, dormindo o sono dos justos, está incomodado. Ele olha para o rapaz da bandana com cara de “mas o que é isso”, vira os olhos, balança a cabeça negativamente. Nada, no entanto, parece distrair o homem. Numa virada da bateria, ele faz os movimentos como se segurasse as baquetas e viesse dele o gingado, o negócio é se entregar. Além do som abafado do fone, ouve-se o chacoalhar tilintante dos metais em seu punho.

Uma criança, no fundo do vagão, brinca sozinha, com sua mãe distraída para ele, mas atenta à parada em que devem saltar. De lá ele me vê. Faço uma careta. Ele ri, e faz outra.

No nosso caminho se interpõem outros tantos e comuns, olhos grudados na tela do celular, aparentando ter o que fazer. Brancos, pretos, novos, nem tão novos, homens, mulheres, gradações entre coisa e outra, quase todos na arrumação e estica necessária rumo ao trabalho.

Uma jovem lê um livro, não consigo ver qual. Ela sai do trem na Sé e no percurso até a saída não desgruda os olhos do papel. É um livro com aparência de antigo, páginas amareladas e gastas, capa com fundo preto bastante marcado e descolorido. E nada de título ou autor. Fico ainda mais curioso para saber do que se trata. Penso em perguntar “o que você está lendo?”, mas não faço.

Sigo para a ainda maior diversidade do lado de fora.

Mas cabe o mundo num vagão do metrô de São Paulo.

***

Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.