O protocolo já não é seguido tão à risca. Poucos são os carros com balinha, nenhum mais tem água. Os carros, também, caíram de qualidade. Na sede por crescimento, tem uns mais sujos, alguns com barulhos de coisa solta, outros com motoristas menos cuidadosos.
Num Uber, os motoristas reclamam da ausência dos dias gloriosos. Aqueles primeiros dias quando pouco carro havia, e a novidade imperava. Hoje muitos trabalham para ganhar cerca de dois mil reais num mês, com rotinas de trabalho que pode facilmente chegar a 16 horas. Questão de necessidade. A reclamação com o Uber deve ser entendida para além do aplicativo em si. Sim, há muito o que melhorar na relação da multinacional de transportes com seus trabalhadores cadastrados, mas é o olhar desesperançado que chama à atenção.
Puxo assunto.
– O que você faz da vida?
As respostas são variadas: representante comercial, administrativo, marceneiro que divide o carro com o filho, franquia que faliu… Invariavelmente, desempregados.
Repare bem: ninguém se diz motorista de Uber, ninguém é motorista de Uber. Todo mundo ESTÁ motorista de Uber.
O Uber é o retrato do fracasso.
É a imagem que estes mesmo se impõem de que a vida não está fácil. De que seus planos deram errado. De que aquilo para que tanto trabalharam, fracassou.
Mas, ao mesmo tempo, o Uber é o retrato da oportunidade.
Não de reerguimento, mas de sobrevivência. Quando nos vemos num beco sem saída, – primeiro o mais urgente! – ter uma chance de sobrevivência assume significado fundamental. E, claro, tem gente que tenta fazer do limão uma limonada, aparece todos os dias para o serviço, de sorriso no rosto, lutando para fazer o melhor que pode, apesar dos pesares.
Todos seguem ao volante sabendo que logo mais não estarão mais ali. Porque vão voltar para vida de então, para o trabalho em si, o fixo. Porque Uber é um bico.
E, que sina, sob esta lógica, com o mercado aquecido, volta-se a ter menos carros na rua, o que, consequentemente, implicará mais ganhos para os que ficarem.
O Uber opera no meio da ladeira das oscilações econômicas. Prospera onde a economia não é nem tão pujante, nem tão esfacelada. É o espelho do que significa ciclos de vida econômicos moderados.
– Daqui a pouco o mercado volta. Repetem todos, como um mantra.
Esperança, o mais humano dos sentimentos.
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