A primeira fase da Copa do Mundo é uma rica construtora de narrativas. Para o olhar em primeiro plano, a glória é a premissa, seja ela conquistada ou surrupiada. Às margens do estrelato, no entanto, moram as melhores histórias, carregadas de humanidade. Aquelas de gente que sabe o seu tamanho, longe das cifras megalomaníacas, longe dos holofotes. De gente que sustenta seus pequenos prazeres em metas simples, quase anedotas quando comparadas à grandiosidade dos objetivos estelares de seus adversários.
A classificação inédita do Panamá para a Copa da Rússia já havia sido motivo de comoção nacional, com direito a feriado referendado pelo Presidente. Na ocasião, a torcida invadiu o gramado com a confirmação do acesso, numa manifestação épica da transcendência do futebol, que se abre muito além das quatro linhas.
Já em solo russo, o primeiro momento mágico veio junto com as lágrimas do capitão Torres e o canto em brados patriotas de uma nação. A bandeira exposta, o hino tocado e recebido com alegria em lares de todo o planeta. As apostas, a partir dali, no imaginário coletivo, valiam para aquele que marcaria o primeiro gol panamenho numa Copa do Mundo. As fichas eram depositadas nos veteranos artilheiros que protagonizavam um duelo particular. Empatados, buscariam o tento que além de entrar para os livros como o primeiro do selecionado em Copas ainda elevaria o marcador ao estrelato da artilharia-mor da Seleção.
Quando neste Domingo se perfilaram ingleses e panamenhos pela segunda rodada, que mais poderia importar? Ali estavam eles, os pequenos, com elenco que vale uma fração ínfima do que é calculado para apenas uma estrela inglesa, Harry Kane. O valioso atacante inglês não se fez de rogado. Eficaz, executou o truque do chapéu, um, dois, três só para ele, quatro, cinco, seis para os súditos da Rainha. O que seria vergonha para tantos outros, era júbilo aos da América Central. Quantos são aqueles que poderão efetivamente dizer que representaram o Panamá numa Copa? Ninguém antes, quantos depois?
Aos 32 minutos do segundo tempo, falta apitada na intermediária esquerda de ataque. Bola a ser levantada na área. Subiriam todos, pois. Por Panamá! Contavam com uma eventual distração da defesa inglesa, já satisfeita com a goleada que impunha. Na cabeça dos onze em campo, os sonhos de criança realizados, o gol, o grito da torcida. A honra da vida eterna que se ajusta ao tamanho das pretensões. Cada glória de acordo com as possibilidades.
Alçada a bola, coube a Baloy empurrar para as redes o legítimo gol de honra. As arquibancadas vibraram, os panamenhos e afins se derreteram. Eram, pois, capazes de beliscar a Inglaterra, numa sapequice juvenil, num ardil infantil, numa realização de que se orgulharão para sempre. O pouco para quem se acostumou com nada é muito.
Ariano Suassuna dizia que em volta do buraco tudo é beira. No futebol, buraco é exceção. A maioria é beira, em terreno, em quantidade, em contagem. O Panamá inteiro é beira e se engrandece com aquilo que somente a ele cabe quantificar. O Panamá sou eu, é você, é um infinitésimo, é alguém buscando seu lugar ao sol e um segundo de reconhecimento.
É impossível não se emocionar com a catarse genuína dos pequenos. Com o êxtase que não é feito de planos, mas de sonhos de dias melhores. É humano demais para não ser dignificado com a honra máxima de um gol de gente como a gente.
* Gabriel Galo é escritor.
Crônica publicada no site do Correio da Bahia em 24 de junho de 2018 e na página 2 do impresso em 25 de junho de 2018. Link AQUI!