A notificação por mensagem direta surpreendeu. Embora o perfil @soterografando seguisse curva de crescimento orgânico, Tiago Quirino Troccoli jamais poderia imaginar que o perfil oficial do Instagram entraria em contato. Na mensagem, um pedido para que republicassem uma foto dele em que 3 garotos saltam do alto do Farol de Humaitá, na Cidade Baixa, em Salvador. A impressão é de estarem voando. A imagem foi compartilhada pelo perfil mundial da rede e também pelo perfil brasileiro. O resultado?
“Foi uma loucura. Ganhei mais de 5 mil seguidores de uma hora pra outra. E as mensagens que eu sempre gostei de responder na hora, eu não estava mais dando conta. Depois dali, foi as coisas cresceram muito rápido.”
Tiago é nascido e ainda reside no bairro de Brotas, onde mora com a avó desde que os pais se mudaram para Saubara, cidade no Recôncavo a 94km de Salvador.
“Sou menino de vó. Nasci em 26 de julho, dia de Nanã.”
Por volta dos 17 anos, teve contato com um livro que mudaria a sua vida: Retratos da Bahia, de Pierre Verger.
“Fiquei fascinado com o livro. Ele retratava aquilo que eu gostava e via desaparecer: a puxada de rede, os saveiros, as festas do povo de santo, o caruru de 7 meninos.”
“Estágio” na Umbanda
Foi o tio de Tiago, Pai Raimundo Troccoli, do Centro de Umbanda Paz e Justiça, que abriu as portas para que o jovem se iniciasse na fotografia. Sob o olhar atento do tio, Tiago aprendeu a direcionar a lente de sua câmera sem interferir nos ritos. Assim, passou a registrar com afinco – e a pedidos – a rotina e as celebração do Centro.
Este aprendizado na interação em momentos de zelo religioso Tiago leva até hoje. Mas sempre há espaço para aprender.
“Sempre que eu vou à Feira de São Joaquim com Pedro Nunes eu fico impressionado. Porque Pedro tem um jeito especial de conversar com as pessoas, de abordar, para depois bater a foto. E quando eu me dou conta eu nem estou batendo foto, mas assistindo a Pedro me dar uma aula – sem ele saber – de como fazer uma foto.”
Respeito pelos mestres
A veneração a Verger é compartilhada com outros colegas de profissão.
“A fotografia baiana é muito rica. Tem muita gente talentosa fazendo fotografia na Bahia,. Eu ainda tenho muito a aprender, então vou buscando referências nas fotos de Pedro Nunes, Roberto Faria, Ricardo Sena, de Luciano Andrade – que infelizmente nos deixou essa semana. E ainda acho estranho quando recebo convites para entrevistas. Tem muita gente na minha frente.”
E na reverência, Tiago revela uma comunidade de fotógrafos que se ampara e se dá força mutuamente.
“A gente se ajuda muito. Recebi muita dica desde o começo. De luz, de composição, de ângulo, do que você imaginar. É um pessoal sempre acessível, disposto a ajudar. Com o tempo, todo mundo acaba se conhecendo, porque estamos nos mesmo eventos sempre. E aí a troca acontece, de ideias, de contato, um passa a seguir nas redes sociais. Um vai dando a mão pro outro.”
O início do @soterografando
“Tem uma foto do Luciano Andrade que pra mim é especial. Ele fotografou o Filhos de Gandhy no Pelourinho nos anos 1980. Mas eu não consegui romper a barreira. Eu adoro o Carnaval. Chega o Carnaval eu vou pra pipoca e esqueço a fotografia”
Foi justamente a separação entre o Tiago fotógrafo e o Tiago folião que fez surgir o perfil @soterografando, no Instagram, que se aproxima dos 23 mil seguidores.
“O nome surgiu naturalmente. Eu precisava de um perfil para fotografia porque no meu perfil pessoal tinha muita foto e interação que não é o público-alvo da fotografia.”
A segmentação do perfil profissionalizou a atuação de Tiago ao ponto de o perfil pessoal quase não ter mais atenção.
Fotógrafo profissional
A GoPro é passado. Mas mesmo com sua Nikon D7100, Tiago ainda não se considera exatamente um fotógrafo profissional. Como atividade principal, administra os imóveis da avó, de onde tira o sustento.
Mas a fotografia lhe provê, além da satisfação pessoal, também parte da renda.
“Eu vendo algumas das minhas fotos. Para isso precisa de toda uma preparação, um cuidado. Elas são impressas no estúdio de Claudio Colavolpe, com papel especial, tinta especial de pigmentação mineral, manuseio com luvas para não engordurar a fotografia. E tem de todos os tamanhos, com moldura ou sem moldura.”
Cada exemplar parte de cerca de R$ 1.000 (mil reais) para tamanhos menores.
Mas até chegar a este ponto, Tiago teve por um momento em que pôde, enfim, se sentir um fotógrafo profissional.
“Eu estava cobrindo a Regata João das Botas e fui para dentro d’água com meu equipamento. É um processo complicado. Tem muitos barcos em volta, outros fotógrafos na água e eu ali preocupado em preservar o equipamento, em conseguir flutuar, em estabilizar a câmera; O fotógrafo fica muito exposto ali. Foi quando eu fiz a foto que uniu uma das minhas paixões, o Saveiro, e um dos ícones de Salvador, o Farol da Barra. Quando eu a vi, eu percebi que tinha feito algo que eu nunca mais vou fazer igual. A altura da onda deixando visível somente as velas do saveiro, o Farol entre elas, o alinhamento. Naquele instante eu vi que eu realmente era um fotógrafo de verdade.”
Registro documental da história
Talvez a hesitação em se dizer fotógrafo venha justamente dos motivos que o levam a fotografar. Expõe um receio, para o que tenta ser uma parte da solução. E revela uma frustração recente em tempos de Covid.
“Mais do que ganhar dinheiro ou fama com a fotografia, eu quero fazer um registro documental da história de Salvador. Especialmente com relação a tradições que estão se perdendo, como a puxada de rede, as mulheres que tratam sardinha em São João do Cabrito, o Nego Fugido no Recôncavo. Até mesmo o caruru de 7 meninos tem sumido. Eu tenho medo mesmo que estas tradições se percam, desapareçam. Por isso eu tento fazer a minha parte, mesmo que pequena. Eu quero que as minhas fotos sejam, como as Verger, referências para que daqui a 50 anos as pessoas saibam da realidade de agora, ajudando a manter essas tradições vivas. Quando eu vou à Ponte do Crush, eu conto aos meninos a história da Ponte, porque ela era importante, o que ela representa na história. Ela tem que ser mais do que uma ponte de onde eles saltam e dão piruetas na maré alta.”
“Eu estou saindo da Covid. Estou morrendo de vontade de fotografar Salvador vazia durante a pandemia. E eu fiz isso no começo, mas o HD com as fotos queimou. Doeu… É um registro necessário para o futuro. Salvador é linda e temos uma oportunidade única de retratar uma metrópole parada.”
Tiago é fotógrafo raro, em técnica e alma. Não há dúvidas de que daqui a 50 anos, serão suas as fotos historiográficas de tradições mantidas.
Perfil publicado na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 42 a 51.
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