Vampeta, ao comentar de sua passagem pelo Flamengo, dizia que “eles fingiam que pagavam e a gente fingia que jogava”. Assim é a tônica do relacionamento profissional, promessas de lado a lado. Só que se promessa é dívida, cuidado!, pode dar muito errado.
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Qual não foi o susto do Rafael quando ele foi assinar a sua homologação após pedir demissão da empresa onde trabalhou por mais de 10 anos e descobrir que devia quase trinta mil reais para seu antigo empregador. Em vez de botar a mão numa rescisão, teria que recorrer às suas parcas economias.
– Desculpa, isso não faz o menor sentido, tentou ponderar o demissionário.
– Ô se faz. Você nunca ouviu falar de que promessa é dívida?
– Sim, mas o que isso tem a ver comigo?
– Tá ali, ó, naquela tabela. Cada promessa não cumprida tem um valor a ser cobrado do funcionário no momento da rescisão. Por exemplo, um relatório atrasado. Se falou que ia entregar, estabelece-se a promessa. A primeira multa é de 100 reais que dobra a cada dia atrasado. Isso sem contar que dobra a cada reincidência. Aqui no seu reporte de funcionário indica que houve 49 relatórios atrasados somente nos últimos 3 anos. O senhor confirma?
– É que o sistema travava muito, e…
– Ah, olha aqui outro exemplo: o “tô chegando”. A cada “tô chegando” com mais de 15 minutos de duração, é cobrada uma multa de 12,50 reais por minuto. Somente neste último ano, foram assinaladas 17 ocorrências. Confere?
– O trânsito tem piorado muito em São Paulo…
– Há aqui também uma infração gravíssima. Você informou no seu currículo que falava espanhol avançado, mas numa reunião cliente, em vez de apresentar as qualidades de nosso produto, você chamou a mulher do cliente de “velha coroca”.
– Eu via muito o Chaves, acabei me confundindo…
– E assim segue. Ligações telefônicas pessoais, falta na festa da empresa, não encher a garrafa de café, não dar descarga no banheiro…
– Ok, ok, ok.
– Agora eu preciso que o senhor assine aqui nesse papel e informe como pretende quitar a sua dívida.
– Posso conferir o relatório?
– Claro, disse o funcionário, entregando a pasta com o documento para o Rafael.
Ele analisou as informações por uns 3 minutos, em silêncio. Folheou as páginas, falava às vezes para si. Quando se deu por satisfeito, fechou a pasta e olhou para o gestor do RH do outro lado da mesa.
– Creio que este relatório esteja incompleto, recomeçou Rafael.
– Como assim?
– Veja bem: quando fui contratado falaram que tinha plano odontológico, coisa que nunca tive.
– Foi bem na crise de 2008, a empresa revia sua base de benefícios, e…
– Ah, 30 dias de férias por ano. Contando os quase 10 anos, devo ter tirado, no máximo, 180 dias. Deixa um saldo de 120 dias de férias…
– Admiramos seu comprometimento com nossa empresa.
– Horas extras. Nunca recebi um centavo… E quando implantaram o banco de horas, nunca pude utilizar, sempre aparecia uma nova demanda.
– Você sempre soube que era um funcionário muito importante.
– Aumentos! Lembro de, ao menos, 9 conversas de aumento que nunca vingaram. E de promoções, mais 4.
– Nova estrutura organizacional…
– E mais alguns itens… Pelas minhas contas, estas promessas somadas totalizam algo na faixa de quatrocentos mil reais…
O funcionário do RH ponderou.
– E se nós te demitíssemos e esquecêssemos essas coisas todas?
– Com direito a FGTS e seguro desemprego?
– Lógico.
– Férias?
– As dos últimos 2 anos.
– Horas extras?
– Não exagera.
– Ok, então. Mas assina logo que prometi pra minha mulher que voltaria pra casa cedo hoje.
– Prometeu?
– É…
– E quanto já deve?
– Só pra ela, uns 5 milhões.
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