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Quando virás, ó, encoberto?

Quando virás, ó, encoberto?

Lula? Bolsonaro? Que nada, o brasileiro ainda espera o D. Sebastião cantado por Fernando Pessoa


Aposto que o mensageiro que levou a notícia do desaparecimento de D. Sebastião, rei de Portugal, na batalha de Alcácer-Quibir, lá no longínquo ano de 1578, jamais imaginou que este mito seria tão pesado e tão determinante na construção do imaginário coletivo do brasileiro dos últimos anos, quando o assunto é política.

Porque olha, vou falar uma coisa pra vocês, é muito tempo esperando o rei voltar. E ao que tudo indica, nas eleições de 2022 seguiremos nessa espera.

Vamos voltar um pouco no tempo. Lá em 1578, D. Sebastião sumiu no meio da batalha. Como não havia um corpo, o povo ficou esperando, nutrindo a ilusão de que ele um dia voltaria para salvar o povo português de todos os problemas advindos do seu desaparecimento. E aí é aquilo, né, virou mito e o Sebastianismo, o nome daquele sentimento que um povo tem quando espera um salvador da pátria.

Parece familiar? Pois é.

Em O Estado Espetáculo, Roger-Gérard Schwartzenberg divide os políticos em quatro arquétipos – o líder charme, o pai, o homem simples e o herói. Já tivemos de um tudo na nossa política, tivemos até gente se apresentando primeiro com um arquétipo, depois outro. Mas de uma maneira geral, estes arquétipos são usados por nós, consultores políticos e profissionais do marketing, na construção do discurso e da espinha dorsal das campanhas eleitorais, na definição da forma de apresentação do dito cujo que está lá pedindo o voto, enfim.

É tipo o lançamento de um produto. E é claro que, antes de botar pra venda, a gente faz pesquisa pra saber que tipo de produto o povo prefere naquele momento específico. Já tivemos momentos em que o eleitor queria o líder charme, ou seja, aquele cuja lábia é no talento. Já tivemos a vez do pai, aquele que cuida. O herói, aquele do “deixa comigo”. E é claro que também já tivemos espaço pro homem simples, o self made man, o “vim de baixo”. É assim, é do jogo.

Mas… pois é, sempre tem um “mas”.

Desde o acirramento dos ânimos nas ruas, durante as manifestações de 2013, culminando com o surgimento do antipetismo, vimos isso muito claro: o sentimento de espera pela chegada de um salvador da pátria, um super presidente que nos salvaria de todo o mal, amém. Em 2018 isso ficou escancarado. Pesquisa do instituto CNT-Sensus, publicada em fevereiro daquele ano, mostrou que enquanto 44% do eleitorado dizia-se descrente da política, 82% diziam preferir um candidato que demonstrasse “confiança” e 78%, que o mesmo demonstrasse ter “pulso firme”. Ou seja: alguém enérgico e de brios. A mesma pesquisa mostrou que 44% do eleitorado queria que o candidato efetuasse profundas mudanças sociais. Confiança, atitude, resolutividade: ingredientes para a construção de um… mito?

O que deu o pontapé da conversa em 2018 foi o embate entre duas vertentes antagônicas dentro de um mesmo universo: o PT e o antipetismo. Lá no comecinho, o presidente Jair Bolsonaro começava a despontar mas não havia se tornado o que virou de vez durante a corrida presidencial, ou seja, a personificação do que seria como única alternativa viável para tirar o partido da estrela vermelha do pódio. Só que a coisa foi evoluindo até virar uma doutrina própria, o bolsonarismo. Que não engloba todos os que no atual presidente votaram, mas que garante a sustentação desta fanbase até hoje.

E aí, o que é que a gente tem hoje? Temos os petistas aguerridos – tanto que esta semana, após o anúncio do ministro Luiz Edson Fachin sobre a incompetência do TRF4 em avaliar o caso do ex-presidente, começou uma corrida pela filiação ao partido. Temos os ex-eleitores de Bolsonaro arrependidos. E temos os bolsonaristas, a fanbase que não o abandona. A galera que faz barulho nas redes sociais, que movimenta o WhatsApp. O que todos eles têm em comum? O Sebastianismo.

É este sentimento que faz com que eu ouça da mesma pessoa que diz que não acredita mais em política, um desejo de que um presidente resolvesse “tudo o que está aí”. Aliás, esta frase, o “tem que mudar tudo o que está aí” manteve-se no patamar mais alto das sentenças ditas nas manifestações em 2013, 2014, na campanha de 2018. Não se vê, na massa, uma tradução específica, tipo “ok, beleza, o que a gente precisa é x”. E isso, infelizmente, não é de hoje. Esse sentimento, o Sebastianismo, dorme um pouco mas ressurge com força quando o calo aperta.

Este sentimento gestou o Getulismo, por exemplo. Deu forças para a ascensão do Regime Militar. E levou ao poder o que vemos hoje, numa situação até cômica: elegemos com a missão de resolver tudo uma pessoa que se manteve no Congresso por quase 30 anos sem praticamente nenhuma produção legislativa que justificasse esta decisão. Habilidade política? Capacidade gerencial? O Sebastianismo não quer nem saber, ele só espera que nossos problemas sejam resolvidos por este ser incrível e mágico que existe no imaginário das pessoas. Desde 1578.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 56 a 59.


Capa da Papo de Galo_ revista #13 mostra Lula sendo abraçado pelo povo. A anulaçãop de condenações do petista no âmbito da Lava-Jato o recoloca não apenas na corrida presidencial de 2018, mas cria oponente poderoso a Bolsonaro no duelo de narrativas pelo controle político nacional.
Capa da Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021.

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