Foi oficializado neste domingo, depois das prévias do PSDB, que João Doria Jr, atual prefeito da cidade de São Paulo, será o candidato dos tucanos ao Governo do Estado. Um movimento já dado como certo nos corredores do partido, agora sacramentado com mais de 80% dos votos nas 122 unidades de votação espalhadas pelo estado. Uma vitória importante, que recoloca Dória em destaque. Ao contrário do que se via há apenas alguns meses, quando surfava numa popularidade que era diretamente proporcional à expectativa que gerou na população paulistana, hoje Dória se encontra em seu momento de mais baixa aprovação, diretamente proporcional às realizações de seu governo.
O auge de Dória se fez a partir de uma artimanha que soou como música aos ouvidos de um povo cansado da velha política. Dizia-se não político, mas, sim, gestor. Um administrador, preocupado com a eficiência do serviço público, uma estamina inacabável e ritmo alucinante, pronto para varrer a corrupção e, principalmente, expurgar o petismo da prefeitura da maior cidade do Brasil. Em sua propaganda partidária, reforçou sua herança nordestina, martelou as mentes com o jingle do João Trabalhador, conclamou a cidade a acelerar com ele. Foi aclamado alcaide do terceiro maior orçamento da união com votação acachapante, eleito em primeiro turno. Trazia consigo o apoio do governo do Estado e a simpatia do Governo Federal.
Antes mesmo de sentar-se ao posto, prometeu em diversos meios de comunicação que candidatava-se a prefeito, que não buscaria reeleição e que certamente não sairia para ser candidato ao Governo do Estado. A cidade de São Paulo lembrava com amargor do que fizera José Serra. Dória repetiu o gesto de seu companheiro de partido e assinou documento com o Catraca Livre. “Serei prefeito por quatro anos e sem reeleição. Não há necessidade.” Afirmou à TV Globo em 21 de setembro de 2016, ainda em campanha. Em 4 de outubro de 2016, 2 dias após ser confirmado prefeito, afirmou à Folha de S.Paulo “Fico. Vou prefeitar.” Mesmo recentemente, em 23 de fevereiro de 2018, durante Fórum Econômico Mundial, confirmou sua posição novamente à Folha de S.Paulo.
Apesar de naquele momento ter sido cedo para questionar a palavra de João Dória com relação ao seu comprometimento com relação à Prefeitura de São Paulo, outros tópicos levantavam dúvidas sobre a validade de seu argumento. Quando candidato, em entrevista ao apresentador Cesar Tralli durante o SP1, telejornal local da TV Globo, Dória negou veementemente uma decisão judicial definitiva sobre o terreno de sua residência em Campos do Jordão, inclusive colocando em julgamento a idoneidade do jornalista – dias depois, confirmou a validade da decisão da justiça. Posteriormente, seus ataques pessoais a quem ousava questioná-lo tornaram-se recorrentes, apelando a argumentos ad hominem.
Paralelamente, os indicadores municipais escancaram a dificuldade que teve de se fazer gestor da cidade e amplificam o descontentamento da população. Ações e decisões foram enfaticamente questionadas, desde a errática atuação na Cracolândia até a atabalhoada (e abandonada) tentativa de garantir segurança própria a custo do Estado, passando pelo infame caso da farinata. Os dados são públicos e acessíveis a todos, mesmo com uma certa indisposição em obedecer a Lei de Acesso à Informação.
À luz de sua vitória nas prévias de ontem, a validade de sua palavra sofreu um duro golpe. Afinal, boa parte de sua campanha habilmente se apropriava de um sentimento disseminado de um Brasil enganado pelo PT e seus asseclas: fomos enganados. Neste momento, afinal, podemos afirmar o mesmo sobre Dória?
Seu histórico de atuação nestes últimos dois anos exacerbou seu lado essencialmente político. Foi pilar do desarranjo do partido nas prévias para sua candidatura à Prefeitura e rivalizou com Alckmin pela nomeação à Presidência no seu auge de popularidade. Ao mesmo tempo, encontra limitações para entender o funcionamento da coisa pública. Aprendeu uma lição feroz: as atuações, regulamentações e objetivos da iniciativa privada são muito diferentes dos que se encontram no poder público.
Ainda assim, é de se questionar com veemência, não somente a Dória, mas a qualquer candidato: é factível entregar uma responsabilidade ainda maior a alguém que provou-se ineficaz na administração da Prefeitura? Cabe a todos nós, votantes do maior estado do Brasil, nos perguntar: quanto vale a palavra de um político?
Mais importante, vemos uma vez mais, como povo, o quanto é arriscado entender que política se faz com salvadores da pátria. Herança de um certo Sebastianismo português que resiste no aguardo do herói nacional que retomará o leme rumo à glória. É necessário como povo que entendamos que política se constrói com debate, com confluência de ideias, com integração de múltiplas faces da sociedade, com engajamento. Dá trabalho e, historicamente, terceirizar a atuação leva a levantes populistas e totalitários, como vimos na nossa história recente.
O agora oficialmente candidato do PSDB ao governo do estado deverá navegar sem dificuldades rumo ao seu novo posto, probabilidade maior devido às calmas águas advindas do alinhamento de nomes da concorrência. Para muitos, o fato de “ter tirado o petismo do poder” já é argumento suficiente para que se valide gestões insuficientes e ineficazes. Talvez, no fim, tenhamos que, uma vez mais, votar no “menos pior”. Ambos os argumentos são espelho de que estamos ainda na infância do aprendizado politico e do aprimoramento dos saberes das questões de Estado.
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Crédito da foto: Márcio Fernandes de Oliveira / ESTADÃO
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