O coração de Reginaldo batia acelerado. Nervoso, aguardava pela sua tão desejada luta, enfim, no boxe profissional. Nascido em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, foi descoberto por um caça talentos que o viu numa briga na saída da escola. 3 dentes do Arnaldinho caíram para contar a história do cruzado de direita mais poderoso do Nordeste.
O Freitas, o tal do caça-talentos, conseguiu convencer a pobre família do menino a levá-lo para a capital.
– Pode ter certeza. Reginaldo vai ser o número 1 do mundo!
Encheu os pais de esperança. Aos 16 anos, lá seguiu o garoto rumo a Recife.
Durante 2 anos treinou 3 vezes por dia. Alimentação era regrada. Estudava numa escola pública perto da academia, onde dormia num quartinho que tinha um ventilador, uma cama e sua malinha de roupas. Queria muito uma TV ali.
Pelas regras, somente poderia competir a partir de 18 anos. E logo em sua primeira luta no boxe amador, se destacou. Nocauteou seu oponente no primeiro round.
Assim foi nas 5 lutas subsequentes. Não havia páreo para Reginaldo.
Subiu de categoria. Ganhou as 7 primeiras lutas, todas por nocaute. Não havia páreo para Reginaldo.
Subiu de categoria uma vez mais. Nela começou a ter mais desafios. Teve até uma luta que foi pro sexto round, foi o mais longe que foram contra ele.
Freitas ligava desesperado para os empresários da região. Queria seu pupilo lutando no boxe profissional. Depois de muito insistir, conseguiu agendar sua luta.
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Tinha acabado de enfaixar suas mãos quando uma figura entrou no seu vestiário, acompanhado por dois homens enormes. Vestia um terno preto listrado, camisa branca, gravata preta com alguns poucos detalhes, usava um suspensório e sapatos impecavelmente engraxados. Todos evitaram olhar para o diminuto e encorpado senhor. Se todos sabiam de quem se tratava, o que era evidente por evitarem até mesmo olhar, Reginaldo não fazia a menor ideia. Segurava um charuto em sua mão direita, levou-o à boca, deu uma grande baforada, e, depois de uns segundos olhando fixamente para o lutador, disse.
– Você vai perder por nocaute no quarto assalto.
Continuou olhando, e reforçou:
– Entendeu?
Reginaldo consentiu com a cabeça, vendo não haver outra reação esperada.
O gordinho, satisfeito, soltou um “ah!” e saiu porta afora. O vestiário continuou em silencio, interrompido apenas por um sussurro no pé do ouvido. Era o Freitas recomendando que ele obedecesse, aconselhando ser melhor para seu pupilo e sua família.
Reginaldo pediu para ficar sozinho. Passou um filme em sua vida. Lembrou da infância sofrida em Jaboatão dos Guararapes. Da dificuldade para chegar até aquela noite. Não conhecia aquele elemento que o ordenou perder, mas, resoluto, decidiu que aquela seria sua melhor luta até então. Se o sertanejo é antes de tudo um forte, o pernambucano quando incorporava a raiva, sai da frente.
Terminou de se arrumar, pôs-se a aquecer-se, para em seguida entrarem em seu espaço avisando que era hora. Buscou seu roupão, e altamente concentrado, caminhou para o ringue.
Seu adversário era o Armando, líder do ranking estadual, atual campeão pernambucano. Já tinha até lutado em São Paulo, e ganhado! Estava no caminho para o cinturão brasileiro.
No encontro no centro do ringue, Reginaldo projetou a cara do gordo de terno no seu oponente de socos e clinches. Nem ouviu as instruções do árbitro, cumprimentaram-se com as mãos, ia começar!
O primeiro assalto começou com os atletas se estudando, mas, antes de completado o primeiro minuto, Armando tomou a iniciativa da luta. Era muito forte. O mais forte que Reginaldo jamais tinha enfrentado. Era também mais alto, tinha uma envergadura que intrigava e fazia nosso herói dançar no ringue evitando o contato. Sem muitas emoções, soou o gongo.
No corner, ouviu instruções óbvias. “Acha a distância”, “você está indo bem”.
O segundo assalto iniciou na mesma toada do primeiro. O campeão aumentou a intensidade de seus golpes. Suas investidas passaram, ainda que de leve, a romper a defesa. Nos clinches, castigava os rins e minava, aos poucos, a resistência de seu oponente. Era uma situação inteiramente nova para Reginaldo. Evitava os golpes mais contundentes, que voavam no vazio.
O de sempre no corner, uma água no rosto, um incentivo, uma instrução.
No terceiro assalto, Reginaldo foi advertido pelo juiz. Sua tática não poderia ser permitida. E caiu pela primeira vez. Levantou-se rapidamente, tinha, acima de tudo, sua honra a manter. Com um certo alívio ouviu o soar do gongo.
O seu técnico, desta vez, limitou-se a dizer “é agora”.
– É agora o cacete! Levantou ele num pulo, pronto pra luta.
Partiu para cima do campeão com a sede um novato buscando um lugar ao sol. Armando, não acostumado com aquele enfrentamento todo, sentiu-se, inicialmente, acuado. Reginaldo viu o supercílio esquerdo de seu oponente se abrindo depois de um direto que lhe rompeu a guarda. Empolgou-se. Via ser possível ganhar, e que sabor delicioso tinha a vitória!
A luta mudou. Seu técnico já não mais lamentava a desobediência de Reginaldo e gritava pra ele ir pra cima. Enquanto isso, na primeira fileira, o gordo olhava para o ringue com olhar tranquilo e sabedor do que fazer na sequência.
Foi então que, desferindo um potente direto de direita, Reginaldo sentiu o gancho em contragolpe do campeão encontrar violentamente seu queixo e ele cair com as pernas para cima, tremendo e inconsciente. Estrebuchando, coitado.
Foi nocauteado.
No quarto assalto.
Porque algumas coisas na vida são mais fortes do que a sua força de vontade ou a destemida defesa de sua honra. Como, por exemplo, o gancho do Armando e a vontade do universo, aliados a um certo instinto de sobrevivência.
E como se fazer reconhecer que não assim que queria, se assim foi?