No dia 11 de março, a OMS declarou a crise do novo coronavírus como pandemia. No mesmo dia, Bolsonaro e sua comitiva retornavam de uma visita aos EUA, quando confraternizaram com o presidente americano Donald Trump em Mar-a-Lago.
Ao longos das quase duas semanas seguintes, nada menos que 23 pessoas que estavam na comitiva foram confirmadas com Covid-19.
Apenas um presente insistia não ter sido contaminado, recusando-se a abrir exames: o próprio presidente Jair Bolsonaro. As suspeitas sobre a condição do presidente se baseavam não apenas no acúmulo de contaminados no seu entorno, mas também nas exibições públicas de sintomas.
Excetuando-se seus seguidores fieis, ninguém acreditou em Bolsonaro. A covid-19 iniciava sua curva ascendente no Brasil—a primeira morte foi registrada em 17 de março. Enquanto isso, Bolsonaro não tomava qualquer precaução, aparecia em protestos com finalidades golpistas e minimizava a “gripezinha” em rede nacional.
Para provar sua “verdade”, meses mais tarde, Bolsonaro apresentou 3 exames impossíveis de serem relacionados a ele, a não ser pela sua palavra. Neles constavam o nome de 3 pessoas diferentes, um deles menor de idade. Todos os exames deram negativos.
Aquele instante representou uma guinada da capacidade de geração de crises por parte do governo. Desde a viagem aos EUA, o Brasil soma mais de 70 mil mortes pela “gripezinha”, apostou-se na cloroquina, sendo o Brasil o único país no mundo a defende-la, fez-se pouco caso das vítimas, 2 ministros da Saúde foram demitidos. E muito mais, numa interminável lista de protagonismo idiótico do baixo clero.
Mas Bolsonaro é político e percebeu o que deveria fazer para sobreviver. Primeiro, acelerou ação nos bastidores para subtrair a autonomia de órgãos investigativos, como o MP, a PF e a PGR. Depois, surgiu, então, um Bolsonaro mais comedido.
Esta versão, no entanto, não convenceu ninguém. Os acenos de paz foram recebidos não com desconfiança, mas com desprezo. Ninguém se deu ao trabalho de corresponder ao que sempre foi interpretado como elemento forçado de alguém que opera em causa própria e que não se recusa a abrir flancos de combate.
Mas houve um elemento maior neste comedimento do presidente: a desmobilização da rede de apoiadores.
Bolsonaro precisa da grita, do desconhecimento, do sentimento de desespero para existir. Ele só é alternativa no caos. Na normalidade, ele arrefece, perde força, porque é quando razão emerge. E na razão, ele desaparece.
No Twitter, ambiente uma vez controlado pela extrema-direita, o apoio está em queda vertiginosa, muito por causa da chegada aos financiadores da debacle. Mas também porque chega uma hora que a realidade se impõe.
Bolsonaro, pois, se viu numa encruzilhada: ou mantém o discurso ameno, para aumentar suas chances de manutenção do poder, ou volta ao ataque para remobilizar sua horda.
Percebendo a incongruência das duas frentes, lançou mão de algo que serviu com louvor à sua eleição: a vitimização.
Assim, entra em jogo nesta semana, o anúncio da contaminação do presidente por Covid-19.
Mas desta feita, o tiro pode ter saído pela culatra. Não apenas a desconfiança dos opositores se manteve, como sua própria claque tem ressalvas demais para comprar a narrativa.
Não há mais ninguém infectado em seu círculo. Se antes se recusava a expor o exame custasse o que custasse, o fez por conta própria para emissoras amigas.
Mas o silêncio nas redes sociais permanece. Nem as consequencialistas respostas justificando a moral de um desejo de morte do presidente foram capazes de reforçar a narrativa de “contra tudo e contra todos”, de vítima das circunstâncias que ele tanto preza.
Porque as evidências são fortes demais contra ele.
Na semana em que aparece com um exame supostamente próprio de Covid, ele estava convocado para depor presencialmente na PF, assim como Flávio Bolsonaro deveria fazer o mesmo, assim como o Queiroz foi solto num embaralhamento jurídico injustificável.
Não é possível cravar que o seu público não retorne ao embate raivoso, mas o abalo é inegável. Por mais que mantenha uma base extrema, os “moderados” vão desembar-cando gradualmente.
Ao que parece, à encruzilhada da submissão que atenta contra tudo o que vendeu na eleição e dos ataques que vão derrubar o seu governo não se tem alternativa.
Na primeira linha, se desfaz politicamente, levando consigo todos os seus fieis seguidores políticos, mas sem garantias de proteção a ele, à família, aos amigos e à sua base política. Na segunda, cai, provoca a prisão inevitável de todos os seus, mas talvez tenha uma sobrevida política, em termos ideológicos. Os cálculos serão muitos, mas há uma tendência. Neste fim-de-semana, voltou suas armas, uma vez mais, contra a imprensa.
Certo, nisso tudo, estava o haitiano. No dia 17 de março, data da primeira morte por Covid no Brasil–quantas coincidências simbólicas nisso tudo, não?–, ele invadiu o chiqueirinho dos apoiadores para proferir as palavras premonitórias: “Bolsonaro, acabou.”
Palavras da salvação.
Crônica publicada pela primeira vez com exclusividade na Papo de Galo_ revista #5, páginas 55-59.
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