Marinalva era conhecida na região da Vasco da Gama, todas as Brotas existentes, Ogunjá, Vale da Muriçoca, rompendo a barreira do Rio Vermelho, seguindo de lado a lado, da Barra até a orla principal da cidade de Salvador, e também voltando, criando monta até em Nazaré. Seu nome está na boca de quase todo mundo.
― Lá é vem Marinalva…
No que na vista de sua chegada, os homens se reuniam, faziam suas apostas, decidiam no par ou ímpar, qualquer que fosse a regra para ver quem ficaria com a bendita naquele dia.
Sua fama era notória, garantia de aconchego a quem tirasse a sorte de chegar primeiro. Era facilmente convencida a deitar-se com quem quer que fosse. E deitava. Não era de exigir muito. E assegurava aventuras a quem mais destemido.
Marinalva não trabalhava. Vivia a esmo, de shortinho curto, blusinha com umbigo de fora, chinelo de dedo e celular na mão, cabelo preso criando um certo pompom em vez de rabo de cavalo. Mascava sempre um chiclete de maneira um tanto espalhafatosa, boca aberta martigando e sacolejando a goma de lado a outro.
Quando passava e ouvia os gracejos dos marmanjos que emitiam seus cantos de acasalamento na esperança do bilhete premiado, sorria largado, já virando a cabeça, apontando com a ponta do dedo para aquele que lhe agradava, e sem nem trocar papo, sumiam no beco mais próximo.
Nessas, ganhava um trocado aqui e ali, “pra colocar crédito pro zap”, “pra pagar uma conta”, e assim ia sobrevivendo.
A certeza do chamego contrastava com o obscuro de seu passado. Ninguém conhece a história de Marinalva. Nada. É uma incógnita.
O acordo tácito entre as partes é de exclusiva e inegociável comunhão carnal. Qualquer quebra é rechaçada no instante. Quando não mandada, mas perguntada, encerra papo e larga de cara feia o intruso-onde-não-se-deve, se picando sem se ajeitar, como se em fuga.
Alguma coisa acontece, no entanto, quando chega o Carnaval.
Marinalva se arruma. O shortinho curto permanece, mas o chinelo dá lugar a um tênis sujo e maltratado, mas funcionando. O umbigo desaparece e dá lugar a uma blusinha um pouco mais folgada, com um pouco mais de detalhes, que ela coloca para dentro do short. Ajeita o cabelo com carinho, até maquiagem se arrisca a fazer.
Assim, paramentada ao seu modo, segue para os circuitos de blocos, onde quer que eles estejam. Invade a pipoca com propriedade, no molejo de quem já está acostumado, fugindo de cotoveladas de geral e de safanão da polícia.
Ali, solta o corpo para que seja carregada pela horda, como uma rainha do Egito, sobre os braços negros, suados e cansados dos seus súditos. A música invade seus ouvidos, e ela se transporta. Entra em transe. É o som, a batida, a multidão. A entrega.
Marinalva voa.
E durante toda a festa, nem um beijo na boca. Muitas são as tentativas. Mas na malemolência de quem corre da opressão da pipoca com facilidade, desvencilha-se sem grandes dificuldades.
― Marinalva, meu amor!
De vez em quando alguém a reconhece, já jogando charme achando que vai dar jogo. Ela apenas encara o pretendente com firmeza, sem trocar uma palavra, seus olhos gritando “se saia!”, e danado some à procura de seu novo amor.
Neste ritmo, de esbalde celibatário, passam todos os dias.
Talvez acreditando que vai encontrar um grande amor no Carnaval baiano. Talvez seja a esperança de rever o grande amor que um dia a prometeu o mundo, mas a deixou às traças e desencantada no Vale da Muriçoca.
Ou talvez seja a busca desesperada pela remissão dos pecados, pela sua conduta que julga incorreta. E enquanto todos libertam sua sexualidade a um simples cheiro, ela a retém e escapa na dança, na soltura a uma nova dimensão.
Ao fim, quando na quarta-feira o sol já não mais se vê e a dispersão na praça do poeta se faz, ela chora copiosamente, sem que ninguém testemunhe.
Sabe que a realidade virá com sua mão pesada e seu mau hálito já no dia seguinte. Que seu refúgio tinha hora para acabar, embora sonhasse, Poliana, que ele se estendesse por mais tantos dias e eternamente. Que, por mais que queira, faltam forças para mudar aquilo a que foi condicionada.
De um modo, eram duas Marinalvas. Preferia a efêmera, sentia-se mais humana.
Na remissão dos pecados de sua libido insaciável, sentia-se a mais poderosa das mulheres do mundo, ao entregar-se a si e ao som, na negação provando sua força, quando, enfim, direcionava para seu próprio benefício suas atitudes, fazendo-se presente no mais improvável dos momentos.
Com aquela Marinava ela se deitaria; Mas aquela Marinalva jamais se deitaria com ela.
E quem haveria?
― Diga aí, minha preta… Tudo bom?
Começavam já cedo os agrados no dia seguinte.
Haveria quem. Sempre haverá.
Incorporada da permanência que enterrava a outra até a folia de para o ano, aponta seu dedinho para um deles, e some ali virando à direita.
***