A abertura da Copa de 2002 ainda era reservada ao último campeão. Vencedora de 1998, na final inesquecivelmente estranha – para nós, brasileiros – em Paris, a França pousava no extremo oriente com o favoritismo escrito na camisa. Além do título mundial, asseguraram os troféus da Eurocopa em 2000 e da Copa das Confederações em 2001. Ou seja, os franceses ganhavam tudo que viam pela frente, dirigidos no gramado por um soberbo Zinedine Zidane.
No grupo francês havia ainda o uma vez campeão, mas longe dos tempos áureos, Uruguai. A Dinamarca, que apareceu bem em 98 e tinha uma geração forte. E o desconhecido Senegal, em sua primeira aparição em Copa do Mundo. Caberia ao Senegal, assim pensavam quase todos no mundo, ser o primeiro a perder para a França. Mas o futebol tem dessas coisas.
O Senegal, com um futebol bem jogado, envolvente, com ataque eficaz e um sistema defensivo bem postado, fez frente ao campeão. E num contragolpe acelerado, abriu a contagem, derrubando queixos e bolões mundo afora. A França acabaria em último lugar no grupo, eliminada vergonhosamente, enquanto os africanos avançariam até as quartas-de-final, sendo eliminados na prorrogação pela também surpreendente Turquia. O feito igualou Camarões em 90 como melhor campanha de um país africano em Copas do Mundo, o que seria repetido por Gana em 2010.
Estava o mundo apresentado ao Senegal, país que aqui somente conhecíamos por música, seja da Banda Reflexu’s e seu Canto para o Senegal, seja de Chico César e sua Mama África, quando ele brincava com as palavras e o cacófato versava “deve ser legal ser negão no Senegal”.
Depois de 3 Copas ausentes, Senegal retornaria ao grande palco mundial, uma vez mais envolto em desconhecimento. Mas a retrospectiva até então deste 2018 era terrível para o futebol africano. Foram 3 derrotas doídas, gols sofridos depois dos 44 do segundo tempo, e uma Nigéria que não é nem sombra do que uma vez foi. Estaria Senegal, a única seleção treinada por um negro na competição, nos trilhos de seus vizinhos de continente? Teria sido 2002 um sonho de um verão? Ou trataria de se levantar de seu sono de 16 anos e exalar bom futebol?
O grupo H desta Rússia 2018 apontava a Polônia, cabeça-de-chave, e Colômbia como favoritas. Nenhuma das duas, no entanto, largou bem cotada nas bolsas de apostas. Conta a favor sobre Japão e Senegal, apenas mais renome e alguma vantagem no indigesto ranking da Fifa. Com um pouco de boa vontade, o grupo estava aberto, tudo poderia acontecer.
E o primeiro jogo já tratou de provar isso. O Japão bateu por 2 a 1 a Colômbia, que sofreu com uma decisão tão estúpida quanto comprometedora de um zagueiro, expulso com três minutos de jogo. Obra do acaso, alguém haverá de dizer, sem considerar a boa organização japonesa, em contraste com a embaralhada, e por fim cansada, Colômbia.
Já Senegal teria pela frente a Polônia de Lewandovski. Quando a bola rolou, os senegaleses trataram de mostrar ao mundo que 2002 não foi uma fantasia. Rápidos, fortes, firmes, seguros, envolventes. Fez a Polônia de bobinho. Dominou e não deu brecha. Fez um, fez dois, e na maciota do sossego pela vitória assegurada, sofreu o de honra.
O encerramento da primeira rodada mostrou que os favoritos não vão ter caminho fácil. O equilíbrio dá a tônica deste mundial. No fim, pode até dar a lógica e os favoritos levarem as medalhas para casa. Mas há histórias que devem ser exaltadas. E uma delas remete à submersão de Senegal, que se emerge eventualmente para encantar o mundo com seu futebol. É a crônica de um gigante adormecido, despertado em 2018. Ainda é cedo para sabermos até onde pode chegar nesta Copa do Mundo. Tomara que longe. Porque é legal ver jogo do Senegal.
*Gabriel Galo é escritor.