“Alô, boa noite”
Quando ouvi esta voz aveludada ao telefone por volta das 21h18 ou 23h14, não me cobrem exatidão, pois não uso relógio, só pensei o seguinte: “me armei”. Porém, alegria de desvalido dura pouco. Não era amor, era cilada, digo, trabalho.
O galante Gabriel, galante porque o sobrenome do indigitado é Galo, emendou antes que eu começasse a deixar o pensamento viajar. “Você escreve uma crônica para a 10ª edição da revista que tô editando?”. A interrogação foi apenas uma firula retórica, pois era uma ordem, digo, uma honra.
Ato contínuo, apenas balbuciei. “Qual o tema?”. Depois de ouvir a lista, aventei a possibilidade de rabiscar algo sobre as eleições nos EUA. Não, minha comadre, não padeço do mal do jornalista, que sempre opina sobre o que desconhece. A ideia era de outra (des) ordem. Como a chibança lá é infinda, pensei em contar como seria isso a partir do cotidiano do Bar de Caveira, aqui no Alto da Alegria, no Nordeste de Amaralina. Achei o negócio genial. Visualizem. Todos os dias as pessoas bêbadas comentando sobre o sistema de votação, mais malamanhado do que o regulamento do campeonato baiano, discutindo bidê ou balde, o homem laranja, a vice de pouca melanina que eles chamam de negona. Só grórias.
Porém, dois, poréns: O longo processo eleitoral lá se acabou e a referida budega também num existe mais.
Aí, me vi no buteco sem milome. E um homem em estado de abstemia é uma disgraça. Torna-se circunspecto, grave, mas tão sisudo que começa frase com ênclise e as porra. Se demorar muito é capaz até de meter uma mesóclise, um negócio confessional, falar-lhe-ei ao meu respeito, mas quem se interessa por uma vida tão chinfrim, valei-me, meus culhões de cristo.
E já que entramos nas searas sacras, não foi à toa que o menino Hemingway disse (se num disse, o problema é dele, pois já foi atribuído, tá lá no placar e num tem mais jeito): escreva bêbado, edite sóbrio.
Porém, sem a companhia da embriaguez baudelairiana, comecei a pensar em bobagens e outras tragédias, tipo o governo do infame-mor. E, enquanto devaneava, a crônica já ia se acabando, conforme podem notar aqueles que já percorreram estas num sei quantas áridas linhas.
Assim, consultei meus desgastados botões: em vez de falar, não seria melhor silenciar, afinal praticamente tudo sobre o indigitado já foi posto à mesa, com leite condensado e outras mumunhas superfaturadas? Eis a dúvida hamletiana a me consumir. E novamente pensei em enveredar pelo caminho do humor, digamos assim, lambuzado.
E, nesta hesitação atroz, sem a companhia enebriante do álcool, acabei adormecendo. Nada mais disse, nem me foi perguntado, nem mesmo por telefone.
Boas noites.
Crônica de Franciel Cruz para a Papo de Galo_ revista #10, de 29 de janeiro de 2021, páginas 74 a 75.
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