Eu tenho alguns sonhos recorrentes. Uma situação comum, vou correr, por qualquer motivo. mas as minhas pernas estão travadas e excessivamente pesadas, e me bate um grande desespero. Há aquele, no lado oposto, em que descubro poder flutuar e planar e saio voando por aí. Um muito estranho é aquele que fico daqui a ali (sem nunca saber direito onde é aqui muito menos ali) e no caminho tenho que passar por dentro de uma casa grande com um cachorro bravo que insiste em querer me pegar. Tem o que constantemente me joga para uma estação de metrô cujo caminho é composto por perigosos bandidos e não tenho como escapar. Já que estamos falando de transporte, lembro daquele em que estou perdido na malha de uma grande cidade qualquer. Pode ser Salvador, São Paulo e região metropolitana, Washington, Londres, Moscou e até mesmo Viena. Eu ali, zonzo, sem poder decifrar qual trem ou ônibus tomar, sequer sei aonde vou.
Para vocês que acreditam que sonhos podem ser catalogados e transformados em significado, segurem este que aconteceu esta semana. Não é recorrente, foi evento único, mas teve seu impacto.
Sonhei que um grande golpe havia sido perpetrado no Brasil, com apoio militar, e que a Monarquia se reinstalava. Como convém, a capital deixaria de ser Brasília, voltaria para o decrépito Rio de Janeiro, que poderia assim, quem sabe, voltar a brilhar como potência. O apoio popular era grandioso. Milhões de pessoas saíram às ruas a aplaudir o novo monarca gestor-em-cetro da Terra Brasilis.
Para tão formidável evento e atendendo a demanda por necessária pompa, desfilava o nosso novo governante em carro aberto, poderia ser um do Corpo de Bombeiros ou um tanque do Exército, devia eu estar daltônico no sonho para não distinguir com clareza o vermelho do verde. Usava uma coroa na cabeça, uma longa capa peluda que provocava calor só de olhar, imagine para o coitado -pobre não era- que a usava sob um sol de 45 graus no verão carioca.
A multidão saudava em gritaria e ele respondia um pouco fora do protocolo. Levantava as duas mãos em comemoração, apontava para os pedestres, botava a língua pra fora. As câmeras de TV, repórteres de todas as mídias e fotógrafos se engalfinhavam pelo melhor ângulo, embora estivesse fora de cogitação se aproximar. Apesar de não haver cordão de isolamento, o povo respeitava o cortejo, permanecia na calçada enquanto a rua era do carro aberto do Imperador.
Fui sendo tomado por uma inquietude atroz. Como pudemos nos dar o desprazer de ter mais um golpe? E quem era aquele camarada em cima do carro, agora mostrando o dedo médio para a câmera da Globo?
Resolvi me aproximar. Fui abrindo caminho na multidão para ver de frente a chegada do tanque dos Bombeiros.
Lá no topo estava ele. Um pouco rechonchudo, como todo bom monarca deve ser. Sem camisa, apenas a capa a lhe cobrir as costas, de peito aberto. Moreno de pele bronzeada, carregava um cavanhaque no rosto e cabelo raspado. Em vez de calças, usava um short destes Adidas da década de 80, curto e apertado. Imaginei que estivesse de chinelos de dedo.
Apertei os olhos e esfreguei-os esperando o foco. E enquanto a lente se ajustava à realidade que se fazia na minha frente, pude perceber, por fim, que ali estava desfilando nosso novo rei, Adriano Imperador, o Didico da Vila Cruzeiro, o próprio.
(Pensando bem, talvez fosse uma reapresentação no Flamengo.)
Eu, então, rio. Rio de desespero e de ironia. Se é para andar para trás neste país, façamos direito e sigamos direto ao Brasil Colônia, mas desta vez com um Imperador que veio do povo e ainda traz consigo assinaturas de duas das culturas mais importantes desta terra, a pobreza e o futebol. E se os romanos saudavam o déspota com o contumaz “Ave César!”, a nós resta tropicalizar o bordão e bradar sem gritar e com uma certa dose de desgoto “afe, meu dêo…”
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