Sentada no banco do trem, uma mulher em simbiose com seu celular. Ela freneticamente zapeia de conversa em conversa sem desgrudar do Whatsapp. Por um breve instante ela bloqueia a tela, para, sem nem apito aparecer, religar para verificar se notificação tinha chegado. Não demora muito e a tela pipoca, no que ela se apressa para abrir o papo. A maior ansiedade dos novos tempos é o tempo que se demora para responder uma mensagem pelo aplicativo.
Ela veste uma blusa com as costas abertas e largo decote. Cabelos presos num coque improvisado, sem arranjo pensado. Cara limpa, sem maquiagem.
A moça se reveza entre três conversas, todas com homens, nas quais ela se preocupa em, do seu jeito único, exalar seu charme. Deve ter aprendido com a experiência o que funciona. Faz-se de donzela em perigo, necessitada de carinho e atenção. Eles são atraídos ao seu encanto sem titubear.
A todos comenta sobre estar fazendo “terapias”. “A cabeça não está boa”, escreve ela. Ao mesmo tempo, solta sorrisos, kkk, hahaha, rs; instiga. Se perguntarem que terapias são essas, ela desconversará, embora nenhum tenha se aventurado em pantanoso terreno. Sabida, percebeu já há muito que dificilmente vão perguntar além da palavra “terapia”.
Com um deles ela esteve na noite anterior. Conta que está também envolvida com outra pessoa, que o vê de vez em quando. “Nunca tinha feito isso antes…” escreve tentando dissimular uma vergonha inexistente ao mesmo tempo em que infla o peito do leitor. Quando ainda era noite e era ontem, fora ela a tomar iniciativa, mas na hora H, refugou. Daí a “terapia”; o círculo explicativo se fecha. O camarada se solidariza. O drama do coito interrompido precocemente martelava sua mente como britadeira. Ele indaga se ela está em dúvida, se é com ele o problema. Ela saca do coldre virtual-aplicatívico o mantra dos canalhas, “Claro que não! Não é você, sou eu!” Elogia-o, aos montes e aos tantos, no que ele se sente satisfeito.
Noutra tela ela puxa assunto “estou com saudade, quero te ver”. Logo a conversa descamba para definirem quando exatamente eles vão se encontrar. Hoje não dá, amanhã é ruim, neste fim de semana vou viajar, quem sabe na outra quarta. Ele também se dá por satisfeito.
Na terceira tela, seguem-se mensagens apimentadas. Entendo que este é o outro da primeira conversa, agora sendo tratado como único, exclusivo e maioral. Eles relembram a última vez, duas noites antes. Ela diz estar confusa, talvez apaixonada. Ele se oferece para ajudar, ela é o que ele quer para ele. Ah!, as armadilhas de um coração apaixonado… Tentam agendar um dia para se verem. Hoje impossível, amanhã tem trabalho, no fim-de-semana tem churrasco de aniversário do sobrinho, mas, olha, na quinta acho que dá. Ele se dá por satisfeito.
As nuances das conversas, as entrelinhas sangrando sedução, me fazem perceber que somos, os homens, seres inferiores na cadeia alimentar do sexo. Está nas mulheres o controle soberano da conquista. Na descobertura da pele pela blusa exibindo parte de seu corpo é que a segurança do poder se estabelece na moça do trem. Um fino equilíbrio entre a costura excessiva que enclausura e a mostra demasiada que descontrola. O cabresto está em indicar o caminho prometendo glórias.
Ah, como somos tolos, os machos, crentes de nossa pretensa autossuficiência no acasalamento. Somos marionetes de um ser maior, quase divino: a mulher segura e dona de si. Somos coadjuvantes de uma esquete que apenas aceita atriz principal. Somos uma ferramenta, um instrumento, um detalhe, incapazes de enxergar quem é crupiê e quem é apostador, numa matemática que se sabe favorecer a casa. Somos os três machos que são iludidos pelas cenouras que servem apenas para manter acesa a chama do desejo, com flama alimentada ao bel-prazer pelas senhoras do destino, nos seus termos e passo.
Todas as mulheres são dominatrixes em potencial.
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