Diz-se que o sueco Alfred Nobel, inventor da dinamite, ao ver sua invenção ter destino não nobres, sofreu. Arrependeu-se, “ah!, estes humanos limitados…” Para tentar apaziguar sua culpa, criou o prêmio Nobel, destinando uma portentosa quantia a diversos estudiosos nos mais variados temas como incentivo à criação.
Na mesma linha, diz-se que Santos Dumont, inventor do avião, ao ver sua invenção sobrevoando a sua Paris como arma de guerra, sofreu. Alguns historiadores chegam a atribuir sua morte a um profundo desgosto. “Ah, estes humanos limitados…”
Hoje, ao ver a Espanha e um burocrático e inócuo tiki-taka, certamente Guardiola sofreu ao deturparem sua visão. Como sofreu qualquer ser que assistiu a uma partida modorrenta, lenta, sem porquê. Munidos do mais poderoso espirito de Parreira, aquele em que o gol é um mero detalhe, a involução do esquema catalão criou nova forma de jogar o futebol. Algo de vanguarda.
O que poucos percebem é que, na verdade, o jeito espanhol de praticar o futebol tem como estratégia vencer o oponente pelo tédio. E, como bônus, ainda poupa os jogadores, que nem precisam se esforçar muito. O negócio é tocar e tocar até seu a defesa derrubar. Não subestimemos o poder de um bocejo.
Em ânimo equivalente ao ritmo de cinema iraniano, a uma entrevista com o Suplicy ou a um programa de humor do Multishow, é tudo parte de uma grande atuação pautada em técnicas avançadas de hipnose. “Durma… Durma… Durma…” Funcionou. Quem viu, dormiu.
Os ibéricos seguiam fiéis à tática do professor. Toca aqui, toca ali, toca acolá. Os russos nem aí. Toca mais, toca lá, toca uma pra mim! Os russos montaram mesa no gramado, tomavam um borscht discutindo a vida. A chuva veio e todo mundo pensando nas roupas no varal. E os espanhóis ali, toca e vai, toca e fica, toca que eu toco, se recusando a tentar quebrar a linha defensiva da Rússia. Era o clichê repaginado: “toca pro lado que o jogo é de campeonato”.
O empate óbvio seguiu para a prorrogação, para protesto de todo o planeta. Tortura ninguém aceita! Dependesse de mim, um par ou ímpar e pronto!, resolvido. Ou pega o critério de cartões amarelos e aplica ali, na hora. Ou então, como num reality show, tira logo os dois de uma vez, questão de merecimento, traz de volta um eliminado qualquer, depois de escolha dos jurados. Lança votação por SMS, entre no site e vote em quem passa, VOCÊ DECIDE!
Mas os quadrados de terno donos do regulamento, este rebanho de gente enfadonha que quer que o mundo se acabe em comedimento e moderação, resiste. Prorrogação e pênaltis, sim senhor!
Revolta! Revolta! Onde estão os black blocs nessas horas? Onde está aquele reserva impertinente que manda uma banana para a lei e a ordem e dá o caminho da emoção? Cadê o VAR que cancela tudo, remarca o jogo e troca o futebol por uma gincana do Caldeirão do Huck valendo a reforma do CT? Cadê, minha gente? Cadê a criatividade?
Entre mortos (nenhum) e feridos (ninguém), perderam todos. Principalmente o tempo, duas horas de um toca-toca-e-não-invoca. E mais um cabeça-de-chave, tido como favorito nas bolsas de apostas se despede. Desta vez, sem história bonita, sem deixar saudade. Devem estar até agora na base do deixa-que-eu-deixo. Finalmente, há destino em seu tocar: “Motorista: toca pro aeroporto!”
*Gabriel Galo é escritor.
Crônica publicada no site do Correio da Bahia em 01 de julho de 2018. Link AQUI!