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Tom Cardoso e seus Carnavais do fim dos anos 70

Tom Cardoso e seus Carnavais do fim dos anos 70

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Minha memória quase me prega uma peça. Pesquisando histórias para este suplemento, lembrei de uma em que alguém contava a fantástica fábula em que seus pais, foliões irremediáveis, alheios a questões menores como responsabilidade e bom senso, deixavam o pequeno dormindo na parte de trás da Variant, que estacionavam cedo perto da Praça Castro Alves, em Salvador, e seguiam para brincar o Carnaval.

Confiante das minhas habilidades de pesquisa, achei que tinha sonhado depois de insistir e ver o retorno ser nenhum. Até que um amigo (um xêro, Jamir!) me provou que de pesquisa eu não entendo é nada. Apareceu no meu Whatsapp metendo o link para a pequena crônica que escreveu Tom Cardoso no Facebook quando da morte de Moraes Moreira. Não poderia ter ficado mais feliz.

Primeiro por acompanhar o trabalho de Tom. Jornalista, cronista de mão cheia, é escritor e um dos biógrafos mais respeitados do Brasil, com publicações seminais de nomes como Tarso de Castro (2005), Paulo Machado de Carvalho (2005), Sócrates (2014), Sérgio Cabral (2018) e há pouco neste 2021 lançou “Ninguém pode com Nara Leão: uma biografia” (Planeta).

Tom foi vencedor do Prêmio Jabuti de 2012 na categoria Reportagem com o livro “O cofre do Dr. Rui: como a Var-Palmares de Dilma Rousseff realizou o maior assalto da luta armada brasileira” e publicou em 2017 o terceiro volu-me de seu livro de crônicas “Fora do Tom: crônicas de um jornalista de cueca”.

Filho de Jary Cardoso, que nos anos 70 era jornalista de cultura e Ana Lúcia, que ape-sar de jornalista, não seguiu a profissão, Tom sempre se viu no meio artístico.

De pequeno, puxado pelos pais, conviveu nas casas de músicos como Jorge Mautner e  Paulinho Boca de Cantor, além de lembrar de entrevistas na Ilha de Itaparica ao lado João Ubaldo Ribeiro.

“Como escritor, eu invento muita coisa. Mas essa é das histórias que posso dizer que são quase inteiramente verdade”, ele me conta, adicionando “minha mãe jura que deixar eu e meu irmão no carro com a janela aberta pra gente dormir durante o Carnaval no fim dos anos 70 era seguro. Mas a gente tinha só 4, 5, 6 anos de idade! Eu não faria isso nem naquela época.”

O barulho e o movimento, claro, acordava os irmãos a noite toda.

“A gente acordava, espiava do lado de fora, via se tinha alguém. De vez em quando a gente pulava pro banco da frente. Mas nunca saíamos do carro. E quando o sono batia, voltava pra ‘cama’ e dormia de novo. E na hora de ir embora era comum que a gente encontrasse os artistas, afinal, estavam pulando Carnaval junto com meus pais, como Moraes Moreira, Caetano Veloso, Vovô do Ilê. Talvez não estivessem no carro antes de meus pais, mas na despedida calhava de haver sempre alguém com a gente.”

Ah, os anos 1970…

Outra época, claro.

Tempos de um jornalismo que aproximava mais artistas e imprensa.

“A relação hoje com os artistas é muito diferente, muito distante. Pra conseguir uma entrevista tem que passar pelo crivo da gravadora, da assessoria, com cronômetro e em ambiente controlado. Antes, não. Meus pais eram amigos dos artistas. Tem uma foto de meus pais durante uma entrevista em que eles estão de cueca e calcinha, o entrevistado também. Noutra entrevista com Elis Regina, no Rio de Janeiro, a conversa avançou a noite e ela ofereceu a cama dela para que eles dormissem por lá. Quando contei esse causo para a Maria Rita, ela falou “minha mãe era muito louca. Imagina que eu ia deixar jornalista dormir na minha cama?”

Eu sei que não, Maria Rita. Não porque nem Elis era louca, nem você deixaria.

Nascido no Rio de Janeiro, Tom chegou a São Paulo com 1 ano de idade. É morador do Jardim Bonfiglioli, bairro que fica atrás da USP e é cenário constante de suas crônicas. Dali viu o Carnaval de São Paulo renascer.

“Eu detestava o Carnaval de clubes, cresci nos bailes com meus pais. Não via graça em ver Escola de Samba na televisão. Mas São Paulo há alguns vem retomando o espírito do Carna-val de rua, mais livre e libertário. E como eu moro num bairro universitário, este espírito está aqui também. Todo ano sai o ‘Te pego no cantinho’, bloquinho aqui do bairro. É uma farra danada. Alceu também sempre me convida para subir no trio com ele no Ibirapuera – e eu, claro, vou. Quem não gosta de Alceu?”

Alceu é a verdadeira unanimidade brasileira.

No que entra Geni, a diarista que não faz café pra qualquer um, pedindo licença e falando para eu ouvir, quase em desespero, “ele tá aqui, sabe como? De cueca.”

Penso que errado estava eu, vestido demais.



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